sábado, 17 de janeiro de 2015

crônica da semana - A resposta certa

A resposta certa
Agora pelo aniversário de Belém, dei uma entrevista para o caderno Atualidades de domingo falando dos meus chamegos com a cidade. Fazendo umas continhas, nos últimos anos, todo mês de janeiro publico, ao menos 4 crônicas homenageando esta morena cidade. Não deveria, portanto, me embananar, quando a Fernanda, repórter do caderno, me perguntou o que, exatamente, me prende à Belém; o que esta cidade tem que eu não encontraria em nenhuma outra. Olha, a Fernanda me apertou sem me abraçar. Assim, de repente, me embananei. Enrolei aqui, tergiversei ali, embromei acolá. Mas como a conversa era por telefone, não poderia gastar 399 anos pensando para responder uma pergunta presumivelmente facinha de atender, destravei: A sonoridade. Esta fala paraense, e em especial, a belenense, di rocha, estas nossas manobras verbais são encantadoras. Minha resposta demorou, mas foi sincera. Acho um encanto a nossa prosa cotidiana, mesmo machucando a norma culta. Destaco as articulações verbais que fazemos privilegiando e, metamorfoseando, o pronome pessoal ‘tu’ em pronome de tratamento, sem as reverências burguesas e, subversivamente, animadas pela intimidade de esquina.  Brilha ao sol de rachar do meio dia a singeleza de um “tu fez”; a justa intenção de um “tu fizesse”; a presunção de um “tu fizestes”. Todas, formas conhecidas nossas, usadas daqui pra’li, desaconselhadas pela regra, mas simpáticas que só elas. Raramente vamos nos deparar com a correção de um “tu fizeste”. E o que se ganha de pão ou de grão, com as correções, se a travessura das incorreções já nos conquistou?
Penso em outras notações particulares aqui do estuário... Tirando alguns Estados do Norte, acho que só aqui em Belém conhecemos por nome de ‘carapanã’, o mosquitinho zoadento da noite. Até dia desses, pirava com expressões do tipo “arreda, siri, cria termo” e “Tá, cheiroso, te enxerga”. São locuções de tal amplitude, de tamanha severidade, têm um poder de convencimento que não sei como as estamos perdendo ao longo do tempo. “Égua, tu é ralado, olha” resiste. É uma construção que expressa uma ruma de sentimentos. Fosse tratada com mais arrojo, reduziria capítulos inteiros de romances a poucas linhas. E tudo resultaria na santa paz chancelada pela arte de cortar palavras.
Se for contar o galicismo ribeirinho, o ritmo da nossa fala ganha um abono. E um oportuno “já me vú”, reinterpreta idiomas. Com esta demão a conversa entabulada nas curvas dos paranás reinventa-se num francês cá nosso. Inteligível, apreciável. Delicioso.
Defini, assim de prima, a sonoridade como um item de entrelaçamento com a cidade, mas aquela pergunta ficou chacoalhando no meu cocuruto. Na segunda-feira, de manhãzinha, a caminho do trabalho, fui matutando sobre as coisas que me prendem a Belém. Óbvio que nosso jeito de ser e de falar diz, mas diz pouco sobre essa ligação tão forte. Naquela manhã, me pequei caminhando e lembrando outros tantos talentos desta terra, que me entontecem. Ao raiar do sol do dia 12 próximo passado, reconheci meu apego, meu carinho por uma Belém antiga, por exemplo. Aquela Belém em que me vejo de mãos dadas com a mamãe, desbravando a cidade grande, dominando os escaninhos do Ver-o-Peso, palmilhando os corredores da Lobrás. Sem medos. Belém para mim é saudade de mãe. É  bença. É eterna proteção.
Passei o dia inquieto. Durante o jantar, repassei a pergunta aos meus filhos. O que Belém tem que nos cativa? Amaranta Maria mais rápida do que 399 milissegundos; antes de um breve piscar dos seus olhos graúdos, disparou instantaneamente: Tudo.
Tudo. Eis a resposta certa.


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