A resposta certa
Agora pelo
aniversário de Belém, dei uma entrevista para o caderno Atualidades de domingo falando
dos meus chamegos com a cidade. Fazendo umas continhas, nos últimos anos, todo
mês de janeiro publico, ao menos 4 crônicas homenageando esta morena cidade.
Não deveria, portanto, me embananar, quando a Fernanda, repórter do caderno, me
perguntou o que, exatamente, me prende à Belém; o que esta cidade tem que eu não
encontraria em nenhuma outra. Olha, a Fernanda me apertou sem me abraçar. Assim,
de repente, me embananei. Enrolei aqui, tergiversei ali, embromei acolá. Mas
como a conversa era por telefone, não poderia gastar 399 anos pensando para
responder uma pergunta presumivelmente facinha de atender, destravei: A
sonoridade. Esta fala paraense, e em especial, a belenense, di rocha, estas
nossas manobras verbais são encantadoras. Minha resposta demorou, mas foi
sincera. Acho um encanto a nossa prosa cotidiana, mesmo machucando a norma
culta. Destaco as articulações verbais que fazemos privilegiando e,
metamorfoseando, o pronome pessoal ‘tu’ em pronome de tratamento, sem as
reverências burguesas e, subversivamente, animadas pela intimidade de
esquina. Brilha ao sol de rachar do meio
dia a singeleza de um “tu fez”; a justa intenção de um “tu fizesse”; a
presunção de um “tu fizestes”. Todas, formas conhecidas nossas, usadas daqui
pra’li, desaconselhadas pela regra, mas simpáticas que só elas. Raramente vamos
nos deparar com a correção de um “tu fizeste”. E o que se ganha de pão ou de
grão, com as correções, se a travessura das incorreções já nos conquistou?
Penso em outras notações
particulares aqui do estuário... Tirando alguns Estados do Norte, acho que só
aqui em Belém conhecemos por nome de ‘carapanã’, o mosquitinho zoadento da
noite. Até dia desses, pirava com expressões do tipo “arreda, siri, cria termo”
e “Tá, cheiroso, te enxerga”. São locuções de tal amplitude, de tamanha
severidade, têm um poder de convencimento que não sei como as estamos perdendo
ao longo do tempo. “Égua, tu é ralado, olha” resiste. É uma construção que expressa
uma ruma de sentimentos. Fosse tratada com mais arrojo, reduziria capítulos
inteiros de romances a poucas linhas. E tudo resultaria na santa paz chancelada
pela arte de cortar palavras.
Se for contar o
galicismo ribeirinho, o ritmo da nossa fala ganha um abono. E um oportuno “já
me vú”, reinterpreta idiomas. Com esta demão a conversa entabulada nas curvas
dos paranás reinventa-se num francês cá nosso. Inteligível, apreciável.
Delicioso.
Defini, assim de
prima, a sonoridade como um item de entrelaçamento com a cidade, mas aquela pergunta
ficou chacoalhando no meu cocuruto. Na segunda-feira, de manhãzinha, a caminho
do trabalho, fui matutando sobre as coisas que me prendem a Belém. Óbvio que
nosso jeito de ser e de falar diz, mas diz pouco sobre essa ligação tão forte. Naquela
manhã, me pequei caminhando e lembrando outros tantos talentos desta terra, que
me entontecem. Ao raiar do sol do dia 12 próximo passado, reconheci meu apego, meu
carinho por uma Belém antiga, por exemplo. Aquela Belém em que me vejo de mãos
dadas com a mamãe, desbravando a cidade grande, dominando os escaninhos do
Ver-o-Peso, palmilhando os corredores da Lobrás. Sem medos. Belém para mim é saudade
de mãe. É bença. É eterna proteção.
Passei o dia
inquieto. Durante o jantar, repassei a pergunta aos meus filhos. O que Belém
tem que nos cativa? Amaranta Maria mais rápida do que 399 milissegundos; antes
de um breve piscar dos seus olhos graúdos, disparou instantaneamente: Tudo.
Tudo. Eis a
resposta certa.
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