sábado, 14 de dezembro de 2013

Crônica da semana Pê efe

Pê-efe chique

Tenho percebido, nos últimos tempos, que há um novo modo de servirem refeições nos restaurantes. É mais ou menos o antigo pê-efe, só que metidão, quedado ao chique. Um prato único com um raminho de manjericão enfeitando o arranjo. E se tem um raminho verde, já sabe: o preço é por acolá. 
‘Disconcordo’, enfaticamente, dessa presepada de pê-efe elegante. Para mim, isso é uma ostentação besta, uma presunção reles, um desrespeito ao pão nosso (que a tantos falta). 
Tô na bronca com essa prática porque é um apelo ao desperdício. Esse negócio de fazer prato só pra um, sem a alternativa de partilhar a opção, provoca uma leva de comida jogada fora. 
Aconteceu comigo em algumas oportunidades, mas posso destacar o ocorrido em um restaurante de hotel ali pras bandas sudestes do Pará. O garçom trouxe o cardápio com as opções (todas muito caras, ressalte-se) e foi adiantando que era prato individual. Estávamos em alguns amigos e cada um pediu o seu. Tomei um susto quando a comida chegou. Eram pratos esteticamente admiráveis, fartos em rococós e cintilâncias. Tinham jeito e cor.  Um morrinho adamantino de arroz aqui; um cremezinho denso ali; um molho de um oleado amistoso, acolá. Um mimo de guarnição cuidadosamente dosada e distribuída. E, protagonizando o pedido, uma porção generosa da mistura. Carne, frango, peixe, o que fosse, vinha reluzindo em um tantão, no meio dos enfeites. Mas era, em qualquer das opções, um bom pedaço, mesmo! Tirando por alto, cada peça tinha ali seus 300 gramas, tranquilamente. A mistura mais a guarnição, devia somar no prato, pra lá de meio quilo. Esta composição, para mim, significa comida pra dois. A gente percebe que no restaurante há um mal disfarçado patrulhamento reprimindo a repartição do repasto. E os próprios comensais, seja por receio, seja por pavulagem ou esnobismo, não estão nem seu Souza para a super oferta. Fazem, aliás, a parte mais pecaminosa da encenação. Dão dois triscas de garfo no petisco, tiram uma lasquinha de carne, um fiozinho de feixe, um cubinho de frango e largam de mão a comida anunciando-se satisfeitos. Noto que esta injúria é tomada como ato de requinte, como um afeto de menininho mimado. Parece moda circunstante. Repente de novo-rico. Nas vezes em que me vi no calor dessa luta, pelejei com meu cumê até o fim. Fiquei empanzinado, empachado, com o bucho por acolá, mas não estraguei comida não. 
Eu, heim, não tô doido, não tô variando nas travessas. Sei muito bem o valor que tem um prato de comida. E nem me refiro ao valor monetário. Falo do valor fisiológico, do valor social, moral. Tenho na memória os apertos que minha mãe passava todo santo dia pra prover nossa mesa. Lançávamos mão de todas as sortes, na cozinha, para podermos varar os dias e as noites. E quantas e quantas vezes a mamãe, na ausência de outras artes, abastecia nossas canequinhas com doses alentadoras de água de arroz, argumentando que a gente tinha que se conformar porque dali é que a gente tiraria sustança e animação. 
Mas como já, que nessa altura do campeonato, vou pagar os olhos da cara, num restaurante e deixar boa parte no prato para ser jogada fora? Negatofe. 
Quero lançar aqui uma campanha. Vamos boicotar os restaurantes que usam deste expediente. Se as condições impostas não puderem ser revistas (como por exemplo, se houver apenas um restaurante aberto), vamos jejuar. Faz bem pra alma. Se por outra, as ofertas estiverem à mão, que optemos pelo bom e velho prato a La Carte para dois e umbora ser feliz dividindo a asinha de frango, o bifão, o raminho de manjericão. Assim de dois, quero ver sobrar. 

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