segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

crônica da semana - prdreira poibidona

 A Pedreira proibidona

Tirem as crianças da sala que lá vem a prosa bandeada para os pequenos e maliciosos pecados cometidos nos escaninhos censurados da Pedreira.

Nos primeiros anos, ainda quando eu morava na vila Três Irmãos, na Visconde, o pri das negações era o igarapé do Zé e suas sedutoras cacimbas de água geladinha. Canto em verso e prosa, o igarapé aqui na minha contação memorialista, mas eu mesmo nunca, nem em pensamento, dei um mergulho lá. Deus-te-livre-e- guarde. Mamãe não deixava de jeito e maneira. Eu chegava bem na beirada da Dr. Freitas, ficava na ira de invadir a mata da aeronáutica, mas quando que me abalava. Era menino obediente. Largava pra trás a idéia, também porque tinha uns medos. Pra mamãe todas as lendas, crendices, fantasias e seres fantásticos moravam ali. A mata era minada de seres extraordinários que povoavam o imaginário popular. Tinha desde o Vira-porco, passando pela Matinta, o Guariba que mundiava com o canto das seis horas e a Iara que levava os meninos pro fundo da cacimba até ficarem verdes, sem suspiração e desaparecerem debaixo d’água. Eu queria, tinha vontade, podia até subverter a regra, sem mamãe saber, e dar uma escapulida lá pra dentro da mata, mas quite. Quando pensava nos encantados, me dava logo um arrepio e ...pernas pra que te quero.

Depois, fiquei mais taludinho e dei uma guinada para as artes do mundo real.

Uma virada impulsionada pelas experiências precoces. Avalie um garoto de 12 anos, funcionário fichado de supermercado, com rotinas definidas, horários, dividindo, por pelo menos duas vezes na jornada, o vestiário com adultos. Eles, indiscretos, impudicos, cheios das saliências. Sem regras. Faziam gestos, menções, contavam casos, simulavam movimentos. Arremedavam erotismo. Eu percebia, e fazia que não era comigo, mas ficava curioso. Que mundo era aquele, escondido, proibido, que não se tinha à vista? Que ia por caminhos adversos aos da Matinta, do Vira-porco, mas eram proscritos, não recomendáveis, como aqueles?

Deu-se então que olhei com outros olhos para a Pedreira. Não assim, de prima. Ocorreu com o tempo. Fui amadurecendo, metabolizando os dias, os hormônios lá e cá, fervilhando acelerados, atiçando.

No princípio, me juntava com a patota e íamos brechar o Shangrilá. Depois, zanzávamos pela calçada. Isso, cedo da noite. Não tínhamos permissão para passar das dez. Tirávamos a bronca de um churrasquinho, na feira. E, diga-se de passagem, os inesquecíveis, maravilhosos churrasquinhos temperados na cominho, servidos ao início da noite, na calçada do mercado da Pedreira. E de lá, desviávamos para apreciar o movimento naquele perímetro aquecido da Pedro Miranda que se estendia da Angustura até à Lomas. Eram muitas as casas de diversão, bares, as casas de encontros, ou como charlavam os íntimos do dialeto afrancesado das esquinas, os famosos ‘randevuz’. Não passava disso. De curiosidade, adrenalina, hormônios e alguns sustos com os desordeiros que freqüentavam a barra, só para fazer desordem e arengas com os homens solitários e as profissionais do amor. Batíamos a nossa conta de emoções e tornávamos pra casa, cheios de invencionices e incríveis aventuras.

Com o tempo, o perímetro foi sendo esvaziado. Acabou o Shangrilá, o Rosa Vermelha, que dominava aquele encarreirado de prédios em alvenaria, ao contrário do Shangrilá que era de madeira, de paredes vermelhas, corredores escuros, esfumaçados, às margens barreadas da Angustura. E que abrigava lá no fundo, entre quatro paredes de um quartinho acanhado, um mundo proibido, que não tinha Matinta, Vira-porco, mas era minado de fantasias e encantamentos.

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