sábado, 16 de abril de 2022

cronica da semana- a voz do vento

A voz do vento

Boa parte do meu ócio, ou do espremido do dia. Apegado à fresta dos instantes e aos sins das oportunidades possíveis.Um bom bocado de tempo, enfim, por termos e tentos, da minha vida, passei à beira da baía do Guajará. Queria ouvir a voz do vento.

Houve uma fase que até pensei acontecer um papo maneiro com a brisa do terral. Era quando eu atravessava esta baía, lá pela uma da tarde, no barcão dos estudantes, varado de fome, depois da aula na UFPA. Me conformava com um completo de coxinha e suco no Veropa, quando não, ou mesmo na maioria das vezes, que diga, me valia de um saquinho de pupunha, duas mentas, minha garrafinha de água, e embainhado na euforia daquele corre, descia, ligadão, na última parada do ônibus antes de dobrar para o Conde, e corria pra passar meu cartão no relógio do ponto, já na batida da campa da tolerância de atraso para minha jornada de peão de turno.

Não custou muito para eu entender que não havia conversa nenhuma com o vento naquela peleja.

Essa minha busca iniciou-se lá trás no ônibus dos padres. Praticamente todos os garotos eram alunos da Escola Salesiana. Eu não. Já estava na Escola Técnica, andava, dizque, só querendo me amostrar pelo estirão da Mauriti, com meu uniforme diferente, bata azul clarinha e calça preta, o bolso com aquele é’zinho invocado, todo pintoso com minha régua tê de madeira.

Estava no ônibus salesiano como convidado. O rumo era a casa dos padres na Baía do Sol, para um encontro de iniciação no grupo de jovens da Escola. Até aquela viagem, eu só havia pisado na igreja uma vez. Num batizado no qual, por uma aprontação federal da mamãe, eu seria o padrinho. Coisas de Luzia. E totalmente desconforme. Sei, pois, que batizado eu era. Recebi a aguinha na cabeça, lá pelas lonjuras do Xapuri, contudo a primeira comunhão eu não tinha feito não. Estava devendo pencas pros sacramentos. Não era merecendente de ser padrinho.

O caminho da graça, da piedade se desenhava, para mim, ali naquela viagem até Mosqueiro e se realizava na canção que os meninos cantavam. A decisão era minha. Conforme o adiantado do retiro, as peças foram se juntando, as visões desanuviaram, o padre botou fé e me fez receber a primeira eucaristia ali na casa da Baía do Sol, não antes que eu lhe contasse uns pecadinhos, coisinha pouca, quitados em dez Ave Marias, não mais.

Foi uma guinada suave. Nem era um desguiado. Não era um menino mau. Então o Movimento católico a mim, só me trouxe incrementos, argumentos e compreensões em quantidades generosas e que foram se somando ao calibre de menino bom e intelixente!!!! que eu já tinha e praticava na minha lida diária. O certo mesmo, reforço, o que me ficou marcado foi o clima daquela galerinha no ônibus da EST. Uma energia revigorante, nova, latejante, me estimulou bastante na estrada. E vinha do fervor com que os meninos entoavam os cânticos. Eu não sabia nenhuma música. A voz do vento, porém, pôs-se em mira, tornou-se alvo das minhas buscas e reflexões.

Tentei ouvir a voz do vento nos lugares que andei. Cheguei bem pertinho de pessoas especiais, boníssimas, sendo que, tão humildes, silenciavam. Criei imagens, elaborei roteiros, presenciei vendavais dentro da mata. Verdade, houve um farfalhar, um assobio da cruviana, mas não era a voz do vento.

Sempre que posso, volto ao Veropa. Bem na hora do terral. Vento que se espalha alegre pela beira. Aprumo os sentidos. Percebo que sinto falta de tanta coisa!

Entendo que a gente sente falta de paz, de pão, de voz.

 

 


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