sábado, 7 de dezembro de 2019

crônica da semana - éramos seis


Maria José (Avenida Angélica)
O sobrenome é Dupré. Mas reduzo o nome, desde quando li “Éramos Seis”, na publicação da editora Ática de 1975. Tenho receio de cometer uma gafe. Não sei ao certo a pronúncia para “Dupré”. Vai que é francês.
Importa, no entanto, expressar o quanto este Romance me bate, revira e mexe.
Em tudo em quanto. No alinhavo histórico (corta algumas fases da trajetória da sociedade brasileira), na exposição de cenários urbanos lá dos primórdios da expansão das cidades. Na fala e na postura das pessoas. No figurino, nas linhas de bonde e no desenho dos poucos automóveis.
Toda a ambientação do Romance é dinâmica: obedece a passagem do tempo. É efervescente: notifica movimentos das organizações sociais, como as ações feministas e as manifestações anarquistas.
E a narrativa me cativa mais ainda quando focaliza lá dentro da família de Júlio e Lola.
Esta semana, fui às lágrimas com a morte de Júlio.
Tinha uma atenção especial com o personagem. A mim ele me vem como retrato de tantos pais que conheci. Aquele pai tradicional que bota o cumê em casa, exige respeito e silêncio na hora das refeições, tem sonhos de montar um negociozinho, casa própria. Aquele pai que vi em algumas dimensões, lá pelos idos de 1970. Que era severo e sisudo no trato com a família, mas um pândego desregrado, nos ‘serões’ que fazia à beira da piscina da Palhoça, aquele refúgio pra lá de avançadinho, que reinava em seduções, e que ficava lá pras bandas da Tavares Bastos. Aquele pai que, embora de maneiras e costumes humildes, se esforçava para estar sempre alinhado em boas peças de linho, de tergal e um lenço perfumado no bolso da camisa. Um pai que entendo. Não julgo nem discrimino. Um homem no seu tempo. Que tinha muitos filhos, fazia o tipo sério de seu fulano pra cá, seu fulano pra lá; cuidava para que nada faltasse à família, mesmo trabalhando em ofícios de pouca renda. Um pai distante dos filhos em idéias, diálogos e afetos. Amigo respeitoso da esposa. E que esperava dias melhores que nunca vinham. Porque morria antes de úlcera.
Meu pai morreu também com um dodói no estômago.
Outras adaptações foram exibidas na TV. Não tomei conhecimento dessas edições. Falta de oportunidade. Desta vez, calhou de passar exatamente no horário em que atravesso a baía. Vejo as cenas na tela. Não dá pra ouvir por causa dos barulhos ambientes. Mas reflito sobre estes sonhos cultivados, o planejamento do futuro, a casa, o comerciozinho, a escola dos filhos. Horizontes acalentados que desaparecem de repente, como foi no caso de Júlio e de tantos outros papais que conheci.
A vida e o Romance seguem, agora com Lola tomando pé. Assumindo a família. E de novo, um contexto refletindo as inúmeras famílias que conheço. Comandadas por mulheres.
Meu pai morreu alagado pela hemoptise e mamãe, sozinha, sem eira nem beira, nos criou vivendo da marretagem. Vendia até as amostras grátis dos perfumes, se isso, ao freguês, lhe aprouvesse. Como na família fatiada pela perda do pai, em “Éramos Seis”, na minha, também havia a tia rica, incertezas e o milagre da vida se realizando a cada nascer do sol.
Pesquisei. Diz-se como se escreve. “Dupré”. Oxítona e com o /e/ aberto. Uma escritora premiada, de texto apurado, um tanto esquecida (que bom que a novela a trouxe de volta) que emociona e me fez, na primeira visita a São Paulo, fazer de um tudo para conhecer a Avenida Angélica.

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