sábado, 29 de junho de 2019

crônica da semana - cara ou coroa


Cara ou coroa
Ali pela adolescência, e ainda na juventude, analisava o mundo à minha volta, de acordo com as polarizações ideológicas e comportamentais. O meu lado foi sempre o esquerdo. Militei incondicionalmente de par com meus iguais. Mesmo reconhecendo a existência dos outros. Até na época de maior militância, e ao mesmo tempo, de maior dedicação à Escola Técnica, onde tinha que dividir espaços, formar equipes de trabalhos, de viagens de campo, ou seja, tinha que me haver com outras patotas; procurava me postar à distância conceitual de pessoas que divergiam dos meus atos e pensamentos. A minha praia era mesmo a companheirada. Tínhamos objetivos comuns, práticas partilhadas, os mesmos sonhos e semelhantes métodos de luta. Esta convivência seletiva tornava as minhas relações aplainadas pelo consenso, pelos alinhamentos, ao menos da parte conjuntural. Não havia espaço para surpresas ou sobressaltos. O ritmo da vida era na base do cara ou coroa.
Essa conduta tinha seu lado penso. Exclusivista. Não experimentei o verso dessa postura, fora do âmbito conjuntural (o sistema sim com suas mazelas, era o eixo a ser vergado). Vivi, durante um tempo, num alheamento confortável, sem turbulência. O arranjo era bem mais didático. Havia o sistema e havíamos nós. O meu pensamento romântico não encontrava no meio da conjuntura, atores sociais dissonantes.
Uma vidinha toda ordenada, arrumadinha. Tudo no lugar, certinho, se encaixando. Uma realidade forçada, idealizada. Um mundo esférico sem os chatos e achatados dos pólos. Era assim que eu desenhava meu espaço, meu tempo. Meus humores, meus amores. Requisitava um universo sem defeitos. Puro, sensato. Transigente, obsequioso.
Uma teba d’uma pretensão a minha. Algo que totalitária. Impositiva. Um credo à soberba. Uma deixa para a presunção. Escapava um isso da mais solitária esquisitice.
Mas ao mesmo tempo era vibração, turbulência que desencadeava a autodefesa. A necessária superação. A resistência.
Uma fase perfeitamente perdoável e explicável. Que foi se desmanchando, se desfazendo.
O choque de realidade aconteceu quando iniciei minha vivência sindical. Aportei em Barcarena. Comecei a participar das mobilizações. Aí dei a perceber uma diversidade que eu pensava não existir. Destaque para a composição partidária. Na minha cabeça, só estariam na direção do sindicato, integrantes ou simpatizantes de (um único) partido de esquerda. Qual o quê. Tinha até gente sem partido. Outro aspecto que me balançou: a presença de evangélicos na entidade. E eu que achava que a luta operária era uma propriedade da raia laica da sociedade. Outras divergências, tensas controvérsias foram aparecendo e eu me esforcei ao aprendizado. Exercitei a versatilidade de concepções na vida e descobri que a salada de entendimentos se multiplicava em ingredientes, quando descia ao chão da fábrica ou subia ao céu do mundo.
De lá para cá, busquei um caminho pavimentado de compreensões. Aprendi a negociar, e a admitir múltiplas interpretações para o mesmo fato. Valorizei o argumento em si e não os grupos que o defendem.
Eis que quando dou fé, a história dá uma pirueta, se desequilibra. O sistema se mimetiza ao lado da gente. Aparece a figura do operário de direita. A Terra, em sua plana superfície parece dar voltas para trás.
A contragosto, adolesci novamente e voltei a admitir o ritmo da vida sendo na base do cara ou coroa

2 comentários:

  1. A moeda pode ficar de pé e rodopiar, acaba num sendo quando em vez nem cara e nem coroa. Cara, pra tomar partido, rs, tô lendo as crônicas e ficando muito feliz a cada uma. Só comentei está de passagem. Outras é só prazer e aprendizado.

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  2. obrigado pela visita, companheiro, foste responsável pelo recorde de acessos no blog. Muito grato mesmo. Se apreciaste, divulga. Vamos desbancar o Paulo Coelho

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