sábado, 10 de fevereiro de 2018

crônica da semana - carnaval tombo

O pessoal da vila
Deixa a tristeza de lado. Esconde aquela raivinha no fundo de um saco escuro. Ajeita uma fantasia, arruma um cílio grandão, mergulha num tibêi em miçangas e lantejoulas. Purupurina a cara, abre o sorrisão. Hoje é carnaval! Sai de mascarado bofó, marinheiro, pirata, freira desguiada, donzela assanhada, gorilão. Deixa o eu diário na quina encalacrada do escanteio e parte pra grande área que hoje é sábado gordo.
Eu me passo pro carnaval, olha. É a festa do desanuvio. Sugere possibilidades enormes de descarrego da alma. Pra quem sabe brincar, é oportunidade de viver momentos inesquecíveis.
Os melhores carnavais, vivi na Mauriti. Morava no mesmo quarteirão do Aguenta o Tombo. Era um dos blocos mais famosos e queridos da cidade. Ganhou destaque por causa do samba empolgante que agitava a galera no refrão “É um tombo pra cá/é um tombo pra lá/segura esse tombo/não deixa tombar/esse tombo querido/é a maior curtição/ele é da Pedreira e mora no meu coração”. Vale dizer que, embora sempre houvesse um samba novo, era batata, entrava carnaval, saía carnaval e quem comandava os arrastões mesmo era “um tombo pra cá/um tombo pra lá”, do Iran. Não tinha errada. Virou um samba perpétuo.
Eu conhecia o pessoal que organizava o bloco. Era uma família que morava num terreno grande, com casas distribuídas na pista, mas também cortado por uma passagem larga que dava para um aglomerado com quintais, ameixeiras e jaqueiras ao pegado. Na frente da passagem, uma construção pequena em alvenaria abrigava um arremedo de bar, o Vinde K, que, de janeiro em diante, mesmo gitito, era o local de concentração dos brincantes. Do outro lado do bar, ficava a casa do Julião. Lá aconteciam os ensaios da bateria, as decisões eram tomadas, adereços e fantasias eram desenhados. Era, bem dizer, a sede do Aguenta o Tombo. O samba do Iran fez tanto sucesso, que na época do carnaval, baixava na sede a imprensa, os representantes das ligas, a prefeitura, uma ruma de RPs. Todos vinham na esteira do famoso samba. Durante os preparativos para o desfile, a casa do Julião era muito movimentada. Eu era moleque, não saía no desfile oficial, mas acompanhava o Tombo, dizendo no pé, em todos as batalhas de confetes que o bloco se apresentava. Cremação, Jurunas, Canudos, Telégrafo. Esbanjei o meu gingado em tudo quanto foi passarela do samba.
Mas era um fogo nessa Mauriti, que o Aguenta o Tombo sozinho, não garantia. Na vila que eu morava, o pessoal pra lá de pra frente, fundou outro bloco, o vibrante “Com Toda Mirolha”. Sem sede, sem RP`s, sem bateria própria. Mas de uma animação de entortar o quarteirão. Não me ocorre agora, o samba do Mirolha, mas tinha, tinha um sim.

“Com toda Mirolha”, expressão que sequer sentido formal tinha, traduz uma época tão boa! De tanta e fogosa interação entre os foliões de rua. De parceria com o Tombo, o pessoal da vila se divertia a valer. Esta chuva inteiriçada neste início de fevereiro me trouxe lembranças. Boas recordações da Pedreira do samba e do amor, das batalhas de confetes do Pisco. Do pessoal da Vila Mauriti. De empolgantes carnavais.

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