sábado, 12 de agosto de 2017

crônica da semana - 22 anos

22 anos e lá vai poeira
Na terça-feira próxima passada, inteirei 22 anos trabalhando na mesma empresa. Para mim, um fato extraordinário. Mas antes de ter este aspecto portentoso, na minha carreira de operário, cria um caráter subversivo na minha trajetória de cronista. Nunca na história desta coluna, falei deste trabalho do qual vivo os últimos 22 anos. Hoje vou falar.
E como sou um narrador dos pretéritos nem tão perfeitos, começo com o primeiro de agosto de 1995.
Foi um choque. Uma atividade completamente diferente daquela que eu desenvolvia até então. A mim me destroncou totalmente, o momento em que recebi uma pá, como instrumento de trabalho. Eu tinha mais de dez anos de formado como Técnico em Mineração e, até ali, a única ferramenta que conhecia era a lapiseira. Éraste, sofri que só com aquele choque de realidade. Chorava pelos cantos, meu corpo reagia mal àquela lida, àquele regime bruto que me fazia duvidar da mais remota possibilidade de vingar naquele serviço, um mês ao menos (que dirá, 22 anos). A barra pesou pacas pro meu lado.
Não desisti. Encarei a parada. Dei o valor exato àquele trabalho. Achei argumentos para torná-lo digno e importante para o processo em que eu militava e, ora, ora, para a minha sobrevivência.
A terça-feira próxima passada se deu em branco para muita gente. Não para mim. Volvi aos primeiros dias e catei uma razão para meus momentos de infortúnios. O motivo, talvez, viesse até mesmo daquele processo de formação na Escola Técnica que penso, sem maldade, nos incutiu este temperamento arrogante, ao sair para o mercado de trabalho. Não admitindo reveses. Na Escola a doutrina pregava a liderança, a chefia de grandes hordas de peões indisciplinados. O salário ali em cima, o status de ser um capataz melhorado, a soberba dos iludidos. A cartilha em que rezávamos não vislumbrava em momento algum, um cenário em que nós seríamos os peões. Daí o sacolejo que me tirou de órbita.
Mas não me arrependo, ao olhar para trás. A vida de operário me apresentou outros desafios rigorosíssimos (daqueles que deixavam o ato de empunhar uma pá, lá atrás em termos de tensão e inquietação). Aprendi o sentido de coletividade quando me envolvi no movimento sindical (ainda hoje, apesar da alteração na diastólica, não sei pensar só no meu umbigo. Tudo que diz respeito ao ambiente de trabalho, mesmo que me seja alheio, dou pitaco, faço zangas, contesto, apoio).
Meio sem jeito, um tanto bambo, com uma vergoinha besta, rogo o perdão dos meus leitores por desvelar essa passagem recôndita, escondidinha da minha vida profissional ativa. Não poderia deixar passar em branco esta data. E nem admitiria um silêncio sobre a minha alegria em ter conquistado 22 anos como operário. Sim, sou feliz por isso. A família, meus livros editados, alguns prazeres a que me dou o direito, uma ou outra ajuda a quem precisa, a minha cervejinha. Parte do que sou, os amigos que conquistei são produto daquele dia primeiro de agosto de 95, em que tomei como instrumento de trabalho uma pá e a transformei na mais lustrada, refinada e precisa lapiseira que arrisquei empunhar.


Nenhum comentário:

Postar um comentário