segunda-feira, 26 de outubro de 2015

crônica remix- Antônio josé

Antonio José
O trabalho, a gente sabe, às vezes é um fardo pesado, outras é um desafio amargo. Mas de vez em vez, é um deleite. Um momento prazeroso.
Tenho pra mim que o matiz da nossa alma depende exatamente do tanto de humanidade que a gente pode identificar no mundo do trabalho.
Manifestações elegantes, práticas gentis explodidas do meio do operariado, me enchem de orgulho e esperança. São pequenas revoluções num ambiente que, sabemos todos, é desmesuradamente competitivo.
Mas, graças ao bom pai, no seio do operariado foi me dada a sorte de conhecer gente como Antonio José.
Chegamos juntos aqui em Barcarena. Viemos na turma pioneira que iria pôr a vante um ambicioso projeto industrial. Éramos uns quantos, naquele dia, e gente de todo canto do Brasil. Não nos conhecíamos. Trocávamos uma prosa aqui e outra ali nos ombreando nas curiosidades e surpresas que a viagem a Barcarena nos proporcionava.
No primeiro contato com o projeto, fui balado. O médico me reprovou nos exames iniciais dizendo que eu tinha um não sei quê e ele não podia me aprovar sem que eu tivesse um laudo e piriri, parará. Foi um choque. Vinha de mais de dez anos me virando pelos sertões amazônicos, sempre longe de casa. Aquela era uma chance de trabalhar próximo a Belém, minha querida cidade. A chance de um emprego numa hora que vinha bem a calhar. Mas tinha ali um obstáculo. Fiquei triste, triste, triste, de marré de si.
Concluída aquela etapa, eu tive que voltar para casa.
Quando estava sentado na parada do ônibus, meio desolado, cabisbaixo, Antonio José apareceu, como um anjo caído do céu. Perguntou o que havia acontecido...
Após ouvir a história, ele me pegou pelo braço, me ergueu da calçada e disse que eu não podia amofinar, que eu tinha que ser forte. Tinha que acreditar. “Tu vais ver: o especialista vai te dar o laudo amanhã e vai dar tudo certo”, disse ele, com um animador brilho nos olhos.

Dois dias depois eu já estava integrado ao grupo dos aprovados. Reencontrei Antonio José. Dei-lhe um abraço agradecido e dali em diante cultivei um sincero sentimento de gratidão por aquele companheiro.
O mundo do trabalho nos impõe provações, mas também, nos reserva graças. Revelou a mim, no meio de uma revoada de candidatos a emprego, um homem cheio de humanidade, pleno de sentimentos bons. Fiquei eternamente agradecido ao Antonio José por aquele momento em que, sem sequer me conhecer direito, me acudiu na minha tristeza.
Depois disso, cada um foi pro seu lado. Pelejamos em pólos diferentes do projeto. Mas sempre que eu topava com ele, fazia questão de reiterar o meu apreço e a minha gratidão. Até nos tempos em que eu era um bicho feroz, nos tempos em que eu rosnava de microfone na mão, na portaria da fábrica, nesses tempos, quando encontrava o meu amigo no meio da massa operária, baixava em mim o espírito da candura e sem recatos, trocava o discurso enfezado por uma declaração apaixonada: “ei, Antonio José, gosto muito de ti, tu sabes disso. És um grande companheiro. Tens alma...Alma pura”, eu dizia. E ele recebia as minhas palavras meio sem jeito, humilde...Grandioso.
Antonio José, nos primeiros dias da vida operária, me trouxe uma mensagem de esperança e fé. Outras vezes, no calor da luta sindical, me inspirou a falar as palavras vindas do coração, sem vergonhas ou descrenças.
Antonio José, meu companheiro. Um exemplo de solidariedade, bondade, gentileza.
Meu querido amigo nos deixou.

Agora que Antonio José foi pro céu, tenho certeza que, naquele dia, na parada do ônibus, quando desolado eu estava, fui acolhido sim, por um anjo.

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