sábado, 5 de setembro de 2015

crônica da semana - cardinais

Bobas curiosidades (ou flexão dos cardinais)
Eu ainda não contei até três bilhões, quinhentos e vinte e nove milhões, doze mil, cento e quatro unidades simples, por isso não posso arriscar se acerto no cravo ou na ferradura. Então vamos assim, de pouquinho em pouquinho...
A gente sai por ali salteando entradas nos empórios do Veropa e arremata um candeeiro, uma bacia. Um pente de plástico azulzinho, uma grosa de grampos. Um espelhinho com desenhos na moldura, uma xícara de florzinha com os dizeres “à querida mamãe”. Um saquinho de canforina, uma peça de fazenda estampada. Um balde de zinco pequeno, uma garrafa térmica barata. Um envelope de Boa Noite para espantar carapanãs, uma rosquinha sobressalente para a máquina de moer carne. Atravessa para a feira.
Compra um saco reforçado no saqueiro, contrata um carregador com carrinho de mão no jeito, e desbrava os corredores ziguezagueando entre as barracas, buscando os preços mais em conta. E vai recolhendo: um mamão bem macio, duas pencas de banana. Um punhado de pimentas amarelinhas, duas dúzias de ovos. Um quilo de goma pra fazer tapioca, duas medidas apuradas de tucupi. Um maço de cheiro verde, duas latas de muruci bem medidas. Um paneiro de caranguejo, duas sacas de farinha. Encosta numa barraquinha de lanche. Um suco de cupuaçu, um de taperebá, duas coxinhas, uma garrafinha d’água, duas mentas.
Dá pra gente tirar por esta prosa no Veropa, que para sinalizar a quantidade de produtos comprados, pontuei o texto com os números cardinais um e dois e as variações que acho que atendem ao feminino: uma, duas.
Agora faz de conta que nas minhas compras, adquiri mais de dois produtos. Minha contagem ficaria assim:
Três pentes... dezenove grosas de grampos... trinta e cinco espelhinhos...Um milhão de xícaras...
Aí na xícara já está bom. Já dá pra ilustrar como é a natureza escalar da nossa língua e como este perfil de notações se define em gênero quase que exclusivamente masculino.
Não dizemos dezenovas grosas de grampos e nem uma milhona de xícaras, nem duas milhões de xícaras. A variação na notação numérica não ultrapassa as duas unidades. Um pente, duas xícaras. A partir do número dois, a contagem numérica não exibe mais o sentimento, a impressão feminina. Não se atém a gênero e se se atém, atêm-se, mesmo que sutilmente, ao gênero masculino ou a imparcialidade comum de dois gêneros: treze alunos, treze alunas.
Lá pela casa da centena a variação é novamente percebida. Duzentas pessoas, quinhentas vezes, novecentas ideias. Mas depois das centenas...
Hummm...Não sei.
Não sei se acerto no cravo ou na ferradura, não contei elementos de gêneros diferentes até a distância de três bilhões, quinhentos e vinte e nove milhões, doze mil, cento e quatro unidades simples. Se alguém quiser tentar, me ajude, por favor, e me volte com o resultado, tá. Sou dado a essas bobas curiosidades.

Detalhe: a resposta vai demorar. Estudos indicam que, contando de um em um, a gente chegaria na casa dos três bilhões em aproximadamente 100 anos. Tenho a impressão que não vou alcançar a resposta.

2 comentários:

  1. Deve ser por conta disso que a língua inglesa é a mais bem aceita e funciona como uma espécie de tentativa de unificação da comunicação, pois é bem mais simples para as coisas mais elementares, como os números. Também deve ser por este mesmo motivo que a língua portuguesa está na posição das mais difíceis...

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