sábado, 20 de junho de 2015

crônica da semana - volta de ônibus

Volta de ônibus
Tirem as crianças da sala, pois o que conto agora não é prosa de bom alvitre. É passagem lá detrás que bom exemplo não é, mas é prosa sincera e de reflexão pros dias em que pensamos o futuro dessa meninada energizada que está por aí sem os devidos quereres e haveres...
Fiz de quinta a oitava série na Escola Jarbas Passarinho, ali detrás do Bosque, e não nos percamos, por ora, nas considerações sobre o nome da escola, que isso é tema melindroso para outras e subversivas narrativas. Pois bem.
Repeti a sexta série. Era bebê em 1976 e já trabalhava de carteira assinada no antigo Supermercado Carisma. Meu horário era de três da tarde às 11 da noite.
Chegava em casa pra lá de meia-noite, na baba. Mamãe me esperava na entrada da Vila Mauriti, me ajeitava um cumê e a gente ficava se embalando na rede ouvindo o programa do Joel Pereira até o sono chegar, já na madrugada valendo. No outro dia quem disse que eu tinha pique pra ir pra aula. Saía sempre atrasado...e dormindo.
Chegava na Pedro Miranda e, ao invés de pegar o ônibus no rumo do Bosque, atravessava as três pistas da avenida...dormindo e subia no Pedreira Lomas em direção ao centro...dormindo. Era a linha que fazia o maior trajeto. Sentava lá atrás, continuava a soneca. Dava a volta na cidade e quando chegava ao final da linha, que era ao pegado da escola, subia n’outro ônibus na mesma pisada, refazendo o percurso para o centro...dormindo. Nessa segunda volta de ônibus, o dia já se adiantava além das dez horas e eu achava que já podia ir pra casa sem dar muitas explicações pra mamãe: não era tão cedo, nem tão tarde. Em casa, ficava lerdando sonolento, almoçava e me aprontava para mais um dia de batalho no Carisma.
O que torna é que não passei. Não que eu fosse burrão. Uma vez na vida outra na morte que eu me sentia inteiro e ia pra aula, até que captava as mensagens dos mestres, respondia as perguntas, participava. Os professores sabiam da minha jornada até altas horas, sensibilizavam-se, me davam chances. Um deles, Sandim que pela doçura e zelo no trato com os alunos mais parecia um clérigo professor de Religião que um cartesiano professor de Matemática, me recheou o boletim de notas boas, e mesmo sem eu ter feito uma única prova, passei com ele. Passei em um monte de matérias, mas às três que me levaram à recuperação, não dei a mínima. O que conta é que fiquei com vergonha de estudar nas férias e ter que aguentar a encarnação do pessoal da rua. Chamei minha mãe para um canto e comuniquei que preferiria repetir o ano. Foi o que ocorreu.
De certo também foi a decisão d’eu não mais trabalhar como homem grande, com obrigações, cartão de ponto, chefe caxias. Isso, provado estava que me tirava de rota das aulas.

Fiz a repitota, escorreguei aqui, ali, mas passei de ano. Voltei a trabalhar com liberdade, na feira, na marretagem, no prestação e dali, até meu canudo na Escola Técnica, não cheguei mais tão arrebentado em casa e não mais repeti de ano, embora ainda fosse minha grande diversão dar uma volta de ônibus pela cidade.

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