quarta-feira, 1 de outubro de 2014

crônica remix - borracha

Quinta dimensão
Eu tava aqui na ira, rolando a barra pra cima e pra baixo, no tempo e no espaço, pra ver se achava uma postagem muito bacana que apareceu no ‘Feice’, mas quite, dancei. Patetice minha. É aquela coisa: neste mundo da internet, não deixe para daqui a pouco o que se pode fazer já, já. É um universo sem freio este virtual. Deu-se, então, que alguém postou, eu gostei, não gravei e perdi. Mas tenho uma tênue lembrança e vou usar do meu charme para repassar o riquíssimo conteúdo da mensagem. Trata-se de uma pergunta: qual o destino que a borracha que a gente tá usando toma, quando caí no chão?
Algumas alternativas são apresentadas e eu me alinho com aquela que diz que a borracha some completamente, passa para uma outra dimensão, e no meu caso, acho que é a quinta, aquela mais difícil de ser intuída pela nossa vã filosofia.
É, ocorre que, agora, na modernidade, carece de lembrar aos mais jovens, que tipo de objeto utilitário era esta tal de borracha. Numa linguagem afinada com a tecnologia, eu poderia dizer que era a mesmíssima coisa que esta função aí do teclado onde está grafada a palavra ‘delete’. Tinha a mesma nobre missão de delir as bobagens que a gente escrevia ou desenhava.
Só que ao contrário da tecla do computador, que não arreda pé do nicho, a borracha era dotada de teimosia. Tinha a propriedade elástica do látex e quando caía no chão, não tinha pra ninguém. Dava uns dois quiques ainda no raio da nossa visão e depois, pluft,  escapulia pra quinta dimensão. Aí, não tinha combate. Nem São Longuinho resolvia. A gente passava horas, naquela posição que Napoleão perdeu a guerra, esfregando o nariz no chão, procurando a bichinha. E nada.
Sofri muito com esses desaparecimentos. Num dos meus trabalhos aí, por esta Amazônia de meu Deus, eu me aviava diariamente com uma ruma de mapas. Tinha que copiar, transferir, traçar, apagar...às vezes manobrava com três, quatro ao mesmo tempo, combinando informações, definindo programações. Uns sobre os outros, outros sobre uns. Em muitas e tensas ocasiões, a danadinha da borracha se enfurnava entre os vincos do papel e cedia ao descaminho. Volvia a mim somente lá pra de tardezinha, ao final do expediente, branca e inocente enquanto eu era uma pilha de desconsolo, de tanto relar o nariz pelo chão e não encontrar nada.
Perder coisas, esquecer objetos importantes em algum lugar não sei onde, quedar-se a desatinos e apagões são infortúnios que nos acompanham nesta longa estrada da vida. Não há o que temer nem envergonhar-se. Todo mundo já esqueceu um celular (sempre aquele mais caro e chique) pra nunca mais; já deixou a carteira com todos os documentos (e só documentos, porque dinheiro é raro, sabe-se) em cima do balcão de uma lanchonete; enfiou entre as páginas de um dos livros imexíveis da estante um endereço que ninguém podia saber (e são tantos os imexíveis, que ninguém jamais soube mesmo) e se desfez completamente da única pista que tinha sobre aquele ser tão amado. Quem nunca deixou uma sombrinha no banco do Pedreira Lomas?
São os mistérios da quinta dimensão. Aquela mais distante e cruel. Aquela da qual nem toda a ciência dá conta. E assim se fortalecem as lendas e as crenças. As lembranças e as desesperanças. Como agora, esta que sinto.

Mesmo depois da revolução tecnológica, ainda insisto. Hoje, no trabalho, faço minha fé nos traçados em computador. Mas não largo meu esquadro, minha régua, meu transferidor, minha escala, meu compasso e minha borracha. Só que a borracha, faz umas duas semanas que não a vejo. Tá por aí, charlando branca e inocente, pela quinta dimensão.

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