sábado, 15 de fevereiro de 2020

crônica da semana - o frio do meu lugar


O frio da minha aldeia
Madrugada dessas, antes de sair para o trabalho, dei uma espiadela no termômetro que tenho na porta da geladeira. É uma lembrancinha de quando estive em Canela, no Rio Grande do Sul. Um souvenir talhado em madeira, com o motivo reproduzindo a Catedral de Pedra, famosa na cidade, e bem no meio da peça, um tubinho transparente acomodando um fio de mercúrio colorido, marcado de um lado por uma escala de temperatura graduada em graus Celsius e do outro, por outra escala, medida em graus Fahrenheit. O detalhe de um termômetro se intrometendo no arranjo do mimo que Canela nos oferece de lembrança é que além da arquitetura, da culinária, ou mais até que qualquer outro bem turístico, o frio da serra gaúcha, é o que mais atrai os visitantes. Então é mina de gente que sai de lá com pecinhas artesanais acrescidas de um termometrinho. O meu é um ímã de geladeira.
Ocorre que Belém estava amanhecendo tão extraordinariamente fria, que abelhudei no termômetro o quanto estava marcando naquela beirada das cinco da madruga. Surpresa. A tirinha vermelha do azougue estava estacionada em assustadores, glaciais 20 graus Celsius. E eu que dispenso grandes emoções logo cedo, nem maldei ver na escala Fahrenheit pra não me impressionar mais ainda.
E sabe, quando a gente tá se arrumando pra sair, as horas passam rápido, o dia desperta antes de nós todos, acelerado. Passarinho danado gorjeando no jambeiro em algazarra com a turminha dele; de instantes e instantes o rádio avisa que estamos atrasados. São tantas as providências, antes de bater a chave na porta. Tem o remedinho de pingar, pro dordolho; a ‘piula’ da pressão arterial, café amargo, pão ázimo. Não se pode desprezar a dieta. Composição de look na maior ligeireza. Calça a bota, põe o uniforme, espirra um extrato. Tudo ao mesmo tempo, na conta e na ordem que não pode ser quebrada, senão, a coisa desanda. Mas quando que dá pra ir atrás do livro da sabedoria, pular o capítulo das tragédias, desviar das passagens da comédia, atalhar os dramas e bater em cima das regras e compreensões sobre o tempo. Admitir, lendo os excertos ambientais; confirmar, digerindo os tratados climáticos; certificar-se, conhecendo o eixo de inclinação da Terra com relação à Elíptica; que o inverno é caracterizado por três fatores fundamentais: noites mais longas que os dias, baixas temperaturas e pouca chuva.
Tirando um pelo outro, o que nos pega de jeito mesmo e abona este período como o nosso ‘inverno amazônico’ é a marca que o termômetro exibe na alta madrugada.
Eu tinha até que tomar o meu banho de costume, naquele dia, mas quando que me atrevi! Só me ‘assiei’ mesmo. Eu, heim. Naquele frio!
Olha que me bati atrás do livro da sabedoria, e ainda arrumei um tempo para me concentrar e me preparar para os desafios do dia. Aconteceu inexplicavelmente, enquanto mentalizava uma forma de afastar o estresse da minha rotina, d’eu sair do ar por uns instantes. E foi como se sonhasse, como se viajasse para um mundo de fantasias. Não sei por quais cargas d’água, estava numa casa ampla, em São Caetano de Odivelas. No espaço ao pegado, havia um poço. Circular, de boca larga e mureta alta. Mais alta que eu. Dei um jeito de alcançar a borda, jogar uma moedinha para dentro do poço. Esperei o barulho da moeda chegando no fundo. Esperei, esperei. E nada. Nisso, tornei. Com mais de mil, com frio e tudo, me aviei. Estava era perdendo a hora.


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