O
frio da minha aldeia
Madrugada
dessas, antes de sair para o trabalho, dei uma espiadela no termômetro que
tenho na porta da geladeira. É uma lembrancinha de quando estive em Canela, no
Rio Grande do Sul. Um souvenir talhado em madeira, com o motivo reproduzindo a
Catedral de Pedra, famosa na cidade, e bem no meio da peça, um tubinho transparente
acomodando um fio de mercúrio colorido, marcado de um lado por uma escala de
temperatura graduada em graus Celsius e do outro, por outra escala, medida em
graus Fahrenheit. O detalhe de um termômetro se intrometendo no arranjo do mimo
que Canela nos oferece de lembrança é que além da arquitetura, da culinária, ou
mais até que qualquer outro bem turístico, o frio da serra gaúcha, é o que mais
atrai os visitantes. Então é mina de gente que sai de lá com pecinhas artesanais
acrescidas de um termometrinho. O meu é um ímã de geladeira.
Ocorre
que Belém estava amanhecendo tão extraordinariamente fria, que abelhudei no
termômetro o quanto estava marcando naquela beirada das cinco da madruga. Surpresa.
A tirinha vermelha do azougue estava estacionada em assustadores, glaciais 20
graus Celsius. E eu que dispenso grandes emoções logo cedo, nem maldei ver na
escala Fahrenheit pra não me impressionar mais ainda.
E
sabe, quando a gente tá se arrumando pra sair, as horas passam rápido, o dia
desperta antes de nós todos, acelerado. Passarinho danado gorjeando no jambeiro
em algazarra com a turminha dele; de instantes e instantes o rádio avisa que
estamos atrasados. São tantas as providências, antes de bater a chave na porta.
Tem o remedinho de pingar, pro dordolho; a ‘piula’ da pressão arterial, café
amargo, pão ázimo. Não se pode desprezar a dieta. Composição de look na maior
ligeireza. Calça a bota, põe o uniforme, espirra um extrato. Tudo ao mesmo
tempo, na conta e na ordem que não pode ser quebrada, senão, a coisa desanda.
Mas quando que dá pra ir atrás do livro da sabedoria, pular o capítulo das
tragédias, desviar das passagens da comédia, atalhar os dramas e bater em cima das
regras e compreensões sobre o tempo. Admitir, lendo os excertos ambientais; confirmar,
digerindo os tratados climáticos; certificar-se, conhecendo o eixo de
inclinação da Terra com relação à Elíptica; que o inverno é caracterizado por
três fatores fundamentais: noites mais longas que os dias, baixas temperaturas
e pouca chuva.
Tirando
um pelo outro, o que nos pega de jeito mesmo e abona este período como o nosso
‘inverno amazônico’ é a marca que o termômetro exibe na alta madrugada.
Eu
tinha até que tomar o meu banho de costume, naquele dia, mas quando que me
atrevi! Só me ‘assiei’ mesmo. Eu, heim. Naquele frio!
Olha
que me bati atrás do livro da sabedoria, e ainda arrumei um tempo para me
concentrar e me preparar para os desafios do dia. Aconteceu inexplicavelmente,
enquanto mentalizava uma forma de afastar o estresse da minha rotina, d’eu sair
do ar por uns instantes. E foi como se sonhasse, como se viajasse para um mundo
de fantasias. Não sei por quais cargas d’água, estava numa casa ampla, em São
Caetano de Odivelas. No espaço ao pegado, havia um poço. Circular, de boca
larga e mureta alta. Mais alta que eu. Dei um jeito de alcançar a borda, jogar
uma moedinha para dentro do poço. Esperei o barulho da moeda chegando no fundo.
Esperei, esperei. E nada. Nisso, tornei. Com mais de mil, com frio e tudo, me
aviei. Estava era perdendo a hora.
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