Amar
e outros medos - Parte V
Apareceu
na janela exalando aquele cheiro de rosas, exibindo um sorriso fácil, faiscando
um olhar sedutor. Contudo, deixando escapar a nítida possibilidade de nos
entregarmos ao risco. Fez o convite. Então umbora!
Não
havia poesia naquele chamado. Apenas prenúncios de liberdade. Fragmentos de
ousadia. Porções de rebeldia.
Pus
a minha roupa de campanha, arrumei uns trocados, passei umas gotas de Lancaster
trás’da’z’urelha, demo-nos as mãos e partimos em busca de nossos sonhos.
(Ela
vinha todo domingo cedinho, comprar três tapiocas com manteiga, duas com queijo
e dois cuscuzes bem molhadinhos com leite de coco, que a mamãe vendia no fim de
semana. Outras horas não a via. Tinha uma rotina apertada. Ex aluna do Souza
Franco, fazia Pedagogia e inglês no curso livre da UFPA, e todo dia comparecia
ao Centro Comunitário da Rua Nova, para ministrar aulas a grupos formados por
adolescentes da comunidade que se preparavam para o vestibular. Recebi um
convite para ir ao Centro, certa vez, para falar sobre Equinócio, as grandes
marés de março e a influência desses eventos sobre a dinâmica dos rios na
região do baixo Amazonas e baixo Tocantins. Um amigo meu que fez Mineração
comigo e, naquele tempo era professor de Geografia, foi quem me convidou.
Quando cheguei, ela já estava lá. Abismei: mas olha, não é a pequena dos cuscuzes!
Dali em diante, procuramos nos ver mais. Centrávamos a nossa relação nas ações
afirmativas para mudar o mundo. Mas sabe como é que é. A Pequena era
gabaritada. Bonita. Generosa. Simpática, gentil. Aí eu fui me apaixonando.
Elisa. Elisa com s, eu lembrava sempre, para não bambear e escrever com z, nos
bilhetinhos que trocávamos marcando o próximo passo para viabilizar a nova era.
Eu
era Universitário do curso de Geologia. Ela estudava lá do outro lado, na
Pedagogia. Tinha que atravessar a ponte do Tucunduba para um encontro, no
intervalo das aulas. Mas nunca dava certo. Nossos horários não combinavam e na
hora do almoço, já sabe, cada um guardando sua vez na fila do RU. Nos topávamos
somente operacionalmente. Ou era no Centro Comunitário, ou era rapidola na
frente da casa dela ou da minha, para alinharmos os termos de um panfleto, de
um plano de aula ou de uma convocação. A valência é que morávamos perto, no
Chaco.
Era
uma garota radical, ligadona, e aquilo, para mim, era um valor que se agregava
aos encantos que via nela. O olhar, o perfume, o sorriso, e aquela
disponibilidade febril ao risco).
Quando
ela varou na janela, eu sabia que era onda braba. Uma mobilização por mais
verba para a Educação. Um figurão do governo estava em Belém e íamos fazer
aquela pressão.
Sentimos
logo o baque quando a passeata despontou na Presidente Vargas. Moradores dos
prédios da área jogaram água na gente. Elisa do meu lado, avançava inquebrantável.
Quando chegamos perto do hotel em que a comitiva do governo estava hospedada, o
pau cantou. Corre-corre. Tímidas reações. Perdi Eliza (ops!) Elisa. Spray de
pimenta. Cavalaria. Bombas de efeito moral. Perdi Elisa, mas lutei até o fim.
No
outro dia nos encontramos, na frente da minha casa. Ela estava com um corte no
supercílio e o braço todo roxo. Tomei-lhe a mão e disse dos meus sentimentos.
Ela
respondeu racionalmente, como lhe comum era. “Somos bons companheiros, porém
nada mais do que bons companheiros”. Este era o meu medo.
Entendi,
naquele instante, que o meu destino é a solidão
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