Azul
da cor do abacate
Numa
das arrumações que teve aqui em casa, o meu Disco de Newton pegou o beco e foi
suprir o acanhado mercado de reciclagem da cidade. Deitamos-lhe fora.
Era
um compacto. Um vinil de dimensões inferiores às do long play. O compacto, ao
contrário do LP, que pelas medidas, podia comportar a gravação de até 12 faixas,
tinha espaço para, no máximo, quatro músicas. E foi assim, inutilizando o lado
B do compacto, detentor de valores, sejam lá dados pela curiosidade, sejam lá justificados
pela seleção das ‘mais mais’; que eu, com uma pontinha de remorso, achei de
reproduzir o mesminho desenho colorido que o Físico e Matemático inglês Isaac
Newton criou para demonstrar os fenômenos da luz que nos deixam bestinhas da
silva.
Bem
divididinho, assim em formas triangulares a modo de fatias de pizza, o disco
abrigava uma gradação de arco-íris, indo do roxo ao vermelho. Na sequência,
posicionei o furo que ficava no meio do disco sobre um lápis e girei velozmente
o círculo colorido em torno do eixo apontado. O efeito é impressionante.
É
nesse instante que o nosso entendimento sobre o mundo e as coisas do mundo
precisa de ajuda, e de espírito livre, e com a alma saneada de qualquer resíduo
preconceituoso, cabe quedar-se aos enormes encantamentos da natureza.
Porque,
olha, de vera mesmo, as cores nem existem por si. Precisam de nós para que façam
algum sentido no mundo material.
A
uma pessoa menos apegada aos mistérios da natureza, cabe a contestação. Pode,
sim, rezar em outra cartilha e retrucar. Ora, o abacate é verde. O céu é azul.
O sangue é vermelho.
Depende
(só digo isso: depende).
Todos
nós já fomos um dia, naquelas festas que têm um globo no teto, disparando luzes
coloridas pra todo lado. E percebemos, tenho certeza que sem entender muito bem
o porquê, que quando a luz bate na gente, a nossa roupa muda de cor.
Pensando
desse jeito, o abacate, dependendo do ambiente e da luz que se atira sobre ele,
pode ficar azul. Ou um azul clarinho, da cor do mar.
E,
dependendo de quem está olhando pro abacate, a cor da fruta pode se tornar até
um borrão indefinido.
É
que as cores não estão nas coisas que vemos, e sim, lá dentro do nosso
cocuruto. Indivíduos daltônicos percebem as cores, de forma bem diferente de
pessoas que não são daltônicas.
O
universo de cores que conhecemos é produto da dissociação da luz do sol. No
frigir dos ovos, os objetos devolvem pra gente a parte da luz do sol que eles
não absorvem.
O
efeito que ocorre no Disco de Newton que, lembremos, é montado em fatias
coloridas, impressiona porque no ato em que ganha velocidade no giro, a
superfície pintada do lado B se torna totalmente branca. Ocorre que as partes
coloridas vão se somando (as cores vão se associando). Eu, por mim, fico
encantado com o embranquecimento do círculo, mas acho muito mais bacana, quando
as cores vão tornando de novo. Conforme vai baixando a velocidade, como num
passe de mágica, os trianglinhos coloridos vão reaparecendo.
O
meu Disco de Newton foi pro lixo reciclável e levou com ele a revolução das cores.
Contudo, me deixou o aprendizado.
E
a folga em reconhecer o poder das abstrações humanas. Em mim plantou as sementes
da concessão, da dissociação intuitiva. Teceu o ânimo para questionar o mundo
que os olhos veem. Me fez, dependendo do ambiente e da luz incidente, admitir,
mesmo que bestinha da silva, a existência de um abacate azul da cor do mar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário