Dom
Pixote e a relatividade
É
uma mensagem que me acompanha há uma pá de tempo. A TV nem era colorida. Não
sei dizer de que matiz era o Dom Pixote. Sei que fazia parte da Turma do Zé
Colméia, um elenco de personagens que arremedava animaizinhos graciosos e
falantes. Naquele dia, comandava o espetáculo. Em dado momento, o mestre de
cerimônia Dom Pixote, trouxe para a cena duas figuras, que, devido às
intenções, não eram retratadas como mimosos bichinhos, e sim representavam
desengonçadas personagens humanas. Um baixinho e outro gigante. Foram
entusiasticamente anunciados pelo Dom, como: O maior baixinho do mundo e o
menor gigante do mundo. Eram a maior atração no palco. A surpresa é que quando
chamou o maior baixola, para os aplausos da platéia, quem se apresentou foi o
gigante. E, depois, quando chamou o menor gigante, quem veio foi o baixinho.
Caiu o pano. Era o encerramento daquele episódio. Um quadro pirotécnico
encerrou o rosto de Dom Pixote exibindo um sorriso cheio de malícia como se
inquirisse ao universo de espectadores sobre o real sentido daquela esquete.
Como se perguntasse: entenderam a sacada, heim, heim?
Aquela
inversão, aquela contradição me mundiou. Por uns instantes, saí do ar. Fiz
perguntas, duvidei, intuí, insinuei. Nada mais para mim, a partir daquela cena
seria absoluto. Buscaria, na medida do possível, ver não só com os bugalhos dos
olhos, mas com a leveza da alma, ou mesmo guiado pela luz da razão. O inteiro e
justo, a mim, seriam sempre passíveis de ponderação, de divisões, subdivisões,
repartimentos, e na sequência, reordenados em voluntariosas sínteses.
É
uma luta, o exercício da análise e da crítica. Juro que tento. Em alguns casos,
travo porfias renhidas comigo mesmo, para superar as ilusões de uniformidade
que nos inebriam. A releitura de condutas sociais e de posturas pessoais
contabilizam as frações do meu leque de tentativas (e o que é mais demandada
hoje da gente é esta análise em favor da harmonia, da aceitação do diferente).
Sofro quando não supero.
Tem
um outro episódio do Dom Pixote mais levinho, sem estímulos, de um humor mais
fácil e menos cortante e que da mesma maneira, marcou a minha já longínqua vida
de moleque pedreirense. Outro dia conto aqui. Fiquemos, por ora, com a malícia.
(N’O
Livro do Avesso, escrito pela poeta Elisa Lucinda, a personagem fala de Cabo
Verde. Diz que é revigorante viver num país onde os atores sociais são
majoritariamente negros. Os políticos são negros, os magistrados são negros, os
garis, os empresários, os artistas, o reitor da universidade, os honoráveis e
os vulgares são negros. É uma percepção que nos ajuda a compreender a
relatividade. Principalmente a nós, que vivemos num país miscigenado mas,
seletivo, excludente. Com certeza, na volta de Cabo Verde, a personagem será
muito mais atenta à distribuição de oportunidades no Brasil.
O
que se tira dessa experiência na África é que o nosso entendimento, o nosso
olhar sobre o estático e perene, pode mudar. Podemos inverter, dobrar,
desdobrar, acelerar, agitar, revolver as nossas certezas. Depende de como
olhamos a realidade).
Por
enquanto, fiquemos com a malícia do Dom Pixote que arremedava um cãozinho
falante, e nem sei de que matiz era porque a televisão lá de casa não era
colorida, e que a olhos vistos media as nossas mais nítidas suposições com
outra régua, um medidor que não podemos discernir apenas com o bugalho dos
olhos.
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