Níver
de Belém
Tomei
foi um espanto quando vi que era Janeiro e não tinha preparado a crônica em
homenagem a Belém.
Aqui
na coluna foi conta batida a cada início de ano, as primeiras semanas tratarem de
mimar a cidade.
Deu-se
que, com o passar dos tempos, juntei um pacote emocionado de crônicas sobre
Belém, embalei direitinho, partilhei com aliados, me juntei a cúmplices e
publiquei ‘Janeiros’, meu livro tão Belém. Tão profunda e visceralmente pedreirense.
Tão pleno e íntegro de carinho e amor por esta cidade.
Justifico
minha patetice este ano porque parece que a publicação de ‘Janeiros’ provocou
em mim uma saciedade mentirosa, uma sensação equivocada de dever cumprido. Um
transbordamento, uma saturação nas idéias e sentimentos sobre Belém. Uma acomodação
se realizou dentro de mim. Travando, inibindo relances, não admitindo
inspirações no repente.
Eu,
heim, vôte! Sai pra lá ziqueziras de contentamentos. Me errem panemices de
satisfação. Vou é atrás da minha Belém reticente. Vou buscar pedacinhos que
faltam, que pendem, largados ao ar, dispersos ao léu, submersos no rio-mar.
Quero sim, interagir com Belém, no que seja. Nos modos severos da crítica ou no
jeito mais justo de bem querer e admiração. Seja pra dar um puxão de orelha,
seja para tascar aquela bitoca gostosa no cangote da península guajarina.
Ah,
sim, antes de ficar me martirizando por ter deixado minha cidade pra lá, num
momento de vera significativo, fiz uma reflexão sondando lá dentro de mim, as
decepções, catando as mazelas que a cidade apresenta todo santo dia e nos
afasta de si. Vai ver a culpa é da cidade. A Belém que se desfaz, que se
liquefaz em cada breve chuva, inundando as ruas e alagando nossos olhos de
choros de tensão, impotência e uma pitadinha de raiva.
Avalio
que Belém vive uma fase dramática (que já dura um tempão). É fato. A cidade
‘desunerou’. Não esqueço o dia em que cheguei de uma viagem a trabalho, que me
deu conhecer uma cidade nos longes do Brasil, toda limpinha, simpática, com
faixas cidadãs ativas, com manifestações nítidas de civilidade dos motoristas e
com atenção especialíssima a visitantes. Pois bem. Logo na chegada, em casa,
quando desci do táxi, que aliás foi o dobro do preço que eu paguei na cidade onde
estava, apesar da distância ao destino ser a metade; dei com minha rua tomada
de lixo. Gatos, cachorros rasgando os sacos depositados na frente das casas e
espalhando o resíduo pelo asfalto, os carros passando por cima, o sol
esquentando, o calor reagindo com a matéria orgânica, o mau cheiro exalando
daquela substância gosmenta.
Fiquei
impressionado com tanta sujeira, mas cansado da viagem dormi parte do dia. Mais
tarde, tive que levar uma encomenda a um amigo. Para atravessar a rua, procurei
uma faixa de pedestre e, olha, se não sou rapaz e dou duas piruetas
elaboradíssimas, um ônibus tinha feito de mim uma pasta inanimada. Tomei tento.
Estava em Belém. Tinha que sobreviver.
É...
A ausência de umas linhas dedicadas a Belém, penso agora, pode ter sido por uma
satisfação duvidosa ou pela certeza da decepção.
Para
tirar ‘as prova’ do motivo que me fez passar batido no níver de Belém, o que
fiz? Fui bater no Veropa. Debaixo dum toró daqueles, e com a beira fervilhando num
cálido e úmido clima de gente se encontrando.
Naquele
momento Saturno cruzou o céu de Belém. E senti o afeto voltar com mais de mil.
Era mesmo somente uma saciedade mentirosa.
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