sábado, 4 de julho de 2020

crônica da semana - irmão coruja


Irmão coruja
É conta certa nesta minha batidinha semanal, rasgar seda para meus rebentos. Mais certo é na passagem dos aniversários. Cada qual tem seu cada qual de homenagem garantido aqui. Agora em junho foi a vez de Amaranta Maria, minha filha. Estava todo me aprumando para desenrolar uma crônica coruja pra ela, quando me chega às mãos este texto do Argel. Uma crônica de irmão. Mas foi logo que decidi por publicá-la. Hoje, a tradicional crônica de aniversário vem pelas palavras do irmão coruja. Senhoras e senhores: Argel Sodré...
“Em 2008, eu e a Amaranta voltamos a estudar na mesma escola. Dividíamos o Pedreira-Lomas todos os dias no calor infernal das onze da manhã, pra Cidade Velha, e voltávamos no sufoco das 18:30h,  para a Pedreira.
Eu sempre estou um pouco obcecado por algum assunto. Na época saía de casa duas horas antes, pra jogar ping pong na entrada... Depois no recreio e na hora da saída. Amaranta lá, tendo que aguentar as minhas insanidades. De vez em quando eu fazia a gente descer no Ver-o-Peso pra comprarmos bolinhas "sunflex", vulgo SURFLEX para os alunos do Carmo, e ir andando o resto do caminho, naquela lua de meio dia e o cheiro recendente do Veropa.
Teve um dia que a Amaranta cansou das minhas vaidades diárias e atrasou. Eu fiquei com muita raiva, peguei minha mochila e fui embora sozinho pra aula.
Arrependido, eu fui chorando da Pirajá até a Dr. Assis, pensando que dessa vez a minha avó não falou, como falava todos os dias "vão com deus! cuidado na hora de atravessar na Itororó, cuida bem da tua irmã!". Ninguém falou nada.
Passei o dia ‘mil grau’. E na hora da saída, Amaranta chegou comigo e perguntou se eu ia embora com ela ou era pra ela ir sozinha. Percebi naquele instante, que eu é que andava com ela, e não ela comigo.
Amaranta me protegia de tudo e todos. Sempre estava pensando em mim.
Depois disso talvez eu tenha tomado um pouco de vergonha na cara e tenha dividido um pouco mais de mim com ela.
Em 2012, nossos pais viajaram e nós fomos passar as férias com o Leon e Manuela. Lembro como eles sempre ficavam impressionados com a nossa amizade, se inspiraram até. Eu e Amaranta tínhamos um dialeto próprio, entre mil "engras" e "sengras", "parece que não sei", "se não tem cavalo, eu não quero nada", "nadadeira, cabeça, irmaaaão", "EU NÃO SOU UMA CORUJA!!!!!". Não há ninguém como ela.
Até hoje, os amigos se encucam com nossos papos, papos de irmãos. Nossas músicas, as pessoas que a gente combinou de amar, ou as que a gente combinou de odiar. Nossas sequelinhas, nossas briguinhas, nossos lugares, nossas comidas, nosso Paysandu, nosso São Paulo e o nosso Barça.
Certamente, uma das minhas companhias favoritas. E que tem um jeito! De se apreciar. Amaranta não mede palavras, às vezes é sensível demais, igual aos Sodreres. Perde a tranquilidade fácil. Às vezes diz tudo só com um olhar, tal qual um Nunes. E resolve tudo.
Eu teimei de caminhar sozinho, sem chamar a mana outras vezes, e foram os piores momentos da minha vida.
Hoje a minha irmãzinha faz 22 anos e estamos voltando a ser grandes amigos. Passamos horas e horas treinando nosso dialeto e atualizando a nossa lista de coisas para amar e odiar. Lembrando das nossas viagens de Pedreira-Lomas, ou nossas férias no RJ, ou até quando ela foi ao Camp Nou sem mim. Ou eu fui ver o Messi sem ela.
Hoje pensei no conselho da vovó, realmente a Itororó é difícil de atravessar, mas eu e mana sempre nos cuidamos nessas e noutras travessias. Sigamos juntos. Eu te amo tanto, Amaranta!

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