Às vezes tu, às
vezes eu
Estas manhas
ocorriam, com mais energia, no período das aulas, porque ensejava brechas para
folgas e abstrações. E com tal intensidade, que tenho bem marcadas na memória,
as minhas contemplações da vida, ali embaixo do pé de acácia, naqueles mágicos
instantes.
Após o almoço, a
madorra, o calor da hora, aquele apelo ao ócio me desafiavam. Reagia, pegava
meu radinho, sintonizava na PRC5 e passava aquele pedacinho de tempo da
digestão e depois um outro tanto, apreciando o movimento e ligado nos hits.
Esta rotina fez
parte da minha vida enquanto morei na Mauriti, em encaixes pra lá de simbólicos.
Ainda mais porque era comum o meu calibre de apaixonado, moleque permanentemente
romântico, sempre quedado aos encantos de uma pequena do Justo, do Donatila ou
dali dos arrabaldes pedreirenses. Daí que as músicas do hit parade eram daqui
pra li, para me esmigalhar o coração.
Vale o destaque
à programação musical daqueles tempos, com um naipe de cantores e cantoras
brilhantes; e repertórios diferentes, muito diferentes dos que ouvimos hoje nas
rádios. E era AM, para o bom da verdade, devo alertar! “Ai, meu bem tive um
sonho/ ai, meu bem, meu bem/meu bem te vi sonhar”, confessava Zizi Possi no
meio da programação da tarde, e era hit que toda vez que tocava, me acendia uma
esperança. Atiçava em mim uma coragem de quando aquela menina passar, na saída
do Intermediário, eu lhe revelar idílicas intenções. Um dia, quem sabe...
Meu coração
vagava na brisa rala da tarde. Vibrava em todas as direções em tuco-tucos
audíveis de longe, em estremecimentos que me denunciavam, ainda mais quando a
mais pedida era “Sufoco” com a Alcione.
Era a sofrência em outro idioma
musical, em outro traçado melódico. Um samba dor-de-amar chamando pra perto,
dizendo segredos indizíveis, semeando
perdões. Naquela horinha da tarde, em que o vento é leve, um zunido do
universo impera e a luz do sol encandeia os olhos até da alma, tenho impressão
de ter visto, em repetidas ocasiões, uma folha de acácia cair na calçada.
Verde, serena, e desaparecer na correnteza formada por um tiquinho de água que
deslizava pelo meio-fio. Eu não podia mais agüentar aquele amor tão louco.
Ainda mais, que dali a pouquinho, iria bater a campa do Intermediário.
A seleção
musical trazia também, cantores estrangeiros. O meu esforço em arranjar um
jeito de cantar junto com eles era a maneira que eu tinha de sentir a música
dentro de mim. Naquelas experiências embaixo do pé de acácia, me apeguei não só
às letras, mas também, aprendi a apreciar as melodias. A nutrir-me de ritmos,
cadências. Entreguei-me aos aveludados melodiosos. Acontecia com o Júlio
Iglesias.
“Às vezes tu, às
vezes eu” vinha anunciada por uma introdução orquestrada que (a música, a
linguagem melódica!) me comovia.
Muitos anos mais
tarde, eu estava em Baiona, na Galícia, de bobeira, a passeio. Na oportunidade,
se realizava o festival de verão, ali, e a grande atração era quem? O verão
europeu, naquelas paragens, segura o sol até a batida da campa das 11 da noite.
Ao pôr do sol, havia
uma multidão na minha frente, vi o Júlio de longe, só um trisca dele, mas era
como se estivesse dentro do meu radinho, abrigado ao pé de acácia, lá longe
naquela horinha da tarde e das abstrações, pelas ondas da PRC5, me fazendo
lacrimejar.
E as minhas
fantasias, e as minhas intenções. A campa do Intermediário. A folhinha caindo,
sendo levada por um fiozinho de água... Um dia, quem sabe...
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