sexta-feira, 17 de julho de 2020

crônica da semana - às vezes tu


Às vezes tu, às vezes eu
Estas manhas ocorriam, com mais energia, no período das aulas, porque ensejava brechas para folgas e abstrações. E com tal intensidade, que tenho bem marcadas na memória, as minhas contemplações da vida, ali embaixo do pé de acácia, naqueles mágicos instantes.
Após o almoço, a madorra, o calor da hora, aquele apelo ao ócio me desafiavam. Reagia, pegava meu radinho, sintonizava na PRC5 e passava aquele pedacinho de tempo da digestão e depois um outro tanto, apreciando o movimento e ligado nos hits.
Esta rotina fez parte da minha vida enquanto morei na Mauriti, em encaixes pra lá de simbólicos. Ainda mais porque era comum o meu calibre de apaixonado, moleque permanentemente romântico, sempre quedado aos encantos de uma pequena do Justo, do Donatila ou dali dos arrabaldes pedreirenses. Daí que as músicas do hit parade eram daqui pra li, para me esmigalhar o coração.
Vale o destaque à programação musical daqueles tempos, com um naipe de cantores e cantoras brilhantes; e repertórios diferentes, muito diferentes dos que ouvimos hoje nas rádios. E era AM, para o bom da verdade, devo alertar! “Ai, meu bem tive um sonho/ ai, meu bem, meu bem/meu bem te vi sonhar”, confessava Zizi Possi no meio da programação da tarde, e era hit que toda vez que tocava, me acendia uma esperança. Atiçava em mim uma coragem de quando aquela menina passar, na saída do Intermediário, eu lhe revelar idílicas intenções. Um dia, quem sabe...
Meu coração vagava na brisa rala da tarde. Vibrava em todas as direções em tuco-tucos audíveis de longe, em estremecimentos que me denunciavam, ainda mais quando a mais pedida era “Sufoco” com a Alcione.  Era a sofrência  em outro idioma musical, em outro traçado melódico. Um samba dor-de-amar chamando pra perto, dizendo segredos indizíveis, semeando  perdões. Naquela horinha da tarde, em que o vento é leve, um zunido do universo impera e a luz do sol encandeia os olhos até da alma, tenho impressão de ter visto, em repetidas ocasiões, uma folha de acácia cair na calçada. Verde, serena, e desaparecer na correnteza formada por um tiquinho de água que deslizava pelo meio-fio. Eu não podia mais agüentar aquele amor tão louco. Ainda mais, que dali a pouquinho, iria bater a campa do Intermediário.
A seleção musical trazia também, cantores estrangeiros. O meu esforço em arranjar um jeito de cantar junto com eles era a maneira que eu tinha de sentir a música dentro de mim. Naquelas experiências embaixo do pé de acácia, me apeguei não só às letras, mas também, aprendi a apreciar as melodias. A nutrir-me de ritmos, cadências. Entreguei-me aos aveludados melodiosos. Acontecia com o Júlio Iglesias.
“Às vezes tu, às vezes eu” vinha anunciada por uma introdução orquestrada que (a música, a linguagem melódica!) me comovia.
Muitos anos mais tarde, eu estava em Baiona, na Galícia, de bobeira, a passeio. Na oportunidade, se realizava o festival de verão, ali, e a grande atração era quem? O verão europeu, naquelas paragens, segura o sol até a batida da campa das 11 da noite.
Ao pôr do sol, havia uma multidão na minha frente, vi o Júlio de longe, só um trisca dele, mas era como se estivesse dentro do meu radinho, abrigado ao pé de acácia, lá longe naquela horinha da tarde e das abstrações, pelas ondas da PRC5, me fazendo lacrimejar.
E as minhas fantasias, e as minhas intenções. A campa do Intermediário. A folhinha caindo, sendo levada por um fiozinho de água... Um dia, quem sabe...

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