Pergunta sem
resposta
O que fui
inventar para sair de casa na segunda-feira? Esta é a pergunta que não quer
calar.
Arte que prezo
que me gasto de tanto prezar é o trabalho. Dou valor e estimo. Respeito. Tenho
fé e gozo com as coisas que o trabalho pode criar. Operar nas raias do labor,
trilhar a lida diária, neste período de isolamento, a mim, por certo, me ocupa,
mantém a energia vibrando dentro do meu dia, e me afasta da melancolia com uma
injeção, em dose nem tão grande e nem tão pouca de tensão; aquele tanto
certinho, a conta batida que não fere, o fulgor viçoso daquela febre fabril de
estresse que aquece sem molestar.
Atuar em home office,
nos últimos quatro meses, em mim, tem o efeito tal da resistência ao caos. Contribui
para que eu não me dilua nas incertezas. Dá pistas do giro do mundo. Deixa o
recado diário de que ainda não se acabou a vida.
A execução das
tarefas profissionais em casa foi uma alternativa para manter muitos
profissionais ativos. O elenco dos trabalhadores que foi para casa contempla
uma população ali afinada e alinhada aos grupos de risco. Tô na lista.
Sistólica, diastólica são pressões que inspiram cuidados e precisam ser
controladas. Aglomerações tão intensas quanto as filas de embarque para
Cotijuba, no trapiche de Icoaraci, fazem das minhas coronárias conselheiras
gabaritadas para que eu forme no grupo dos ‘te aquieta’. O coração bate em
sobressaltos por esses dias. Tem que ficar no abrigo e submisso aos zelos.
A lida formal presente,
as tarefas domésticas, invencionices culinárias, realização de estéticas
visuais típicas da reclusão, canais com penca de filmes, docs, vídeos
educativos, musicais na internet. Cumê, lazer, suprimentos e utilidades em
atendimento delivery, a minha bicicleta ergométrica e o vírus circulando são
argumentos funcionais, fisiológicos e biológicos pra lá de suficientes para me
convencer a ficar em casa.
Então, o que fui
inventar para sair de casa na segunda-feira? Esta é a pergunta que não quer
calar.
Ocorre que desde
a semana passada, venho admitindo esta possibilidade. Um ensaio. Uma caminhada
pelo bairro só pra saber se ainda sabemos atravessar a rua, se ainda entendemos
os códigos urbanos do verde-siga; vermelho-pare; se os tímpanos ainda toleram os
fonfons e alaridos difusos das avenidas.
Fizemos uma
reunião em casa. Pesamos, consideramos. Avaliamos dados do último mês,
aplicamos a teoria ao nosso cotidiano. Até a largura das ruas escolhidas no
roteiro mereceu a atenção. Período do dia de menor movimento, EPI’s e produtos
de desinfecção necessários. A opinião geral foi a de que sim. Poderíamos fazer
uma caminhada pelas ruas da Pedreira, ali em torno de seis da matina.
Mas por quê?
Na vera, motivo
algum para sair, tínhamos, admitindo o acervo, supracitado, de ofertas para
preencher o tempo e as comodidades de serviços que temos à porta.
No dia e na hora
certa para o passeio fora da nave, tomamos conhecimento do movimento registrado
nas praias no último final de semana.
A saúde sempre
requerida, as coronárias tal qual a fila para Cotijuba, apinhadas. A fenomenal
capacidade de transmissão desse vírus. E, mais decisivamente, aquela sensação
de que uma saída de casa, sem um quê apresentável significaria a nossa anuência
a este delírio coletivo, nos fez abortar a missão.
Não saímos para
fazer não sei o quê na rua, e pelo cenário perigosamente restaurado, e, ainda,
até que as perguntas tenham alguma resposta, tão cedo não intentaremos outra
moda igualmente sem graça.
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