sábado, 27 de junho de 2020

crônica da semana - traje passeio completo


Passeio Completo
Há uns dois anos, por aí assim, ganhei uma camisa estilizada do Paysandu. Gola polo, tecido fino, corte requintado. Cara, não! Uma grana! Custou um bom punhado de dinheiro. As crianças não economizaram para me fazer uma presença, com um bom presente.
Para as partes mesmo, aquelas que exigem termos e jeito de arrumadinho, não sou muito de ir. A camisa, então, fez sucesso, causou pavulagem, mas logo foi relegada à gaveta e à canforina.
Deu-se então, que num belo dia, recebi um convite para uma festa de aniversário que tinha Markinho e banda. No subscrito, a recomendação: traje passeio completo. Mas foi logo que me veio o estalo! Vou com minha camisa do bicola.
Pra encurtar a conversa, se eu fosse me impressionar, se eu fosse cismar de discriminação, cismaria. Eu era o único na festa, que não estava de paletó. E apesar do enorme valor que minha camisa gola polo do bicola tinha para mim, no salão, ela submergia à mais profunda humildade. Durante toda a festa, me senti uma ovelha azul e branca, intrometida naquela família de engalanados.
Em minha defesa, confesso que morria e não sabia que ‘traje passeio completo’ significa um arranjo empaletozado. Mas quando que eu sabia! Para mim, traje passeio é aquele que uso para bater o ponto na Banca dos Escritores Paraenses, aos domingos, na praça da República. Um conjuntinho formado por bermuda, camisa manga curta clarinha, percata, óculos escuros e um chapéu malandrinho pra um livramento, no que der e puder, do sol.
Logo na chegada, senti o impacto. A moça da recepção parecia uma boneca, toda empetecada. Um rapaz, bem apessoado, parecendo ator de filme que tem neve, príncipe e taças de cristal, fazia par com ela. Os dois eram encarregados de tirar uma foto com o convidado. Agora mire, não, eu plebeu, no meio daquelas realezas. Tirei o retrato e entrei. Peguei logo uma mesa e pedi um balde para aplacar meu acanhamento. Fui dos pri a chegar. As mesas ainda com pouca gente. O garçom ainda relutou em me servir, mas como o salão estava vazio, deve ter pensado que eu era o rapaz que veio montar o som, apiedou-se e decidiu que eu merecia um gorozinho antes de ir embora.
Fiquei lá, só na minha.
Aí, foi chegando gente. Cada terno mais lindo e lustroso que o outro. As mulheres, como sereias, deslizando em longos vestidos sedosos, e tão maquiladas que até umas e outras que eu conhecia de vista, não certifiquei parecência com o vulgo original, assim de prima.
Com o passar do tempo, atinei que as pessoas evitavam dividir a mesa comigo. Eu lá, só na minha. Toda a aversão, porém, sumiu na hora do baco-baco. O garçom já convencido de que eu era peça outorgada mesmo, abrigou alguns inconformados que equilibravam os pratos pelo ermo do salão, ao meu pegado. Enfim, me enturmei. Os baldes de cerveja e doses generosas de uísque se multiplicaram aos meus olhos. Depois do repasto, a animação cresceu. Tão logo anunciaram o show corri pra pegar lugar bem na frente, pra ver o markinho e banda. Sem medo de ser feliz.
Dias depois da festa... Não, minto! A reflexão daquele mico não se deu de imediato. Demorou que só. Fiz até por esquecer tudo. A foto com a realeza, o garçom, as suntuosidades desviando da minha mesa, a minha solidão de par com um balde de gelada. 
Por agora, na quarentena, é que fui pesquisar direitinho como é mesmo o tal do traje passeio completo. Gente, que desconcerto! Que descompasso! E olha que era a minha camisa mais cara, a gola polo do bicola.

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