O
traço e o jeito da pandemia
As
formas, as linhas e as cores nunca foram o meu forte. Em uma época bem remota,
eu acreaninho recém-instalado em Belém, até que dei uns passinhos no rumo de
conhecer as figuras geométricas clássicas. Meu tio utilizava a tampa de caixas
de sapatos para me dar as lições. Desenhava no papelão e eu identificava o quadrado,
o retângulo, o triângulo, o círculo.
Mais
com pouco, já fazendo o Primário na Aparecida, me deparei com questões de ligar
as figuras semelhantes que estavam desenhadas dentro de um conjunto. Durante a
prova me embananei e liguei tudo errado. Bolinha eu liguei com quadradinho;
trianglinho eu liguei com bolinha.
O
certo é que conhecer as figuras é uma coisa. Estabelecer relações formais entre
elas são outros quinhentos. E este foi o desafio que tive que encarar quando
entrei na Escola Técnica. A Escola, antevendo as dificuldades dos novos alunos,
ofertava um curso rápido de adaptação à disciplina. Era o famoso curso de
nivelamento em Desenho. Durante as aulas, conhecíamos o material que usaríamos.
Alguns eram novidades, como a régua tê e o escalímetro de precisão. Quando o
semestre começou de vera, tive a oportunidade de ter algumas aulas ministradas
pelo grande professor Milton Monte. Os primeiros dias foram maneiros. Retas,
semirretas, ângulos, polígonos. Figuras planas. Com o tempo a coisa foi
aquecendo e eu fui me aperreando. Até que chegou a vez da professora Maria das
Neves. Uma professora excelente, mas responsável por uma das matérias mais
difíceis que encontrei na vida. Teríamos que desenhar figuras em perspectiva.
Meu pai do céu, aquilo era o meu calvário. Um sofrimento. Peleja igual àquela
do primário, quando liguei as figuras erradas dos conjuntos. Pirava nas
missões.
Vale
dizer que a expressão da realidade, através de uma imagem, se deu, em
princípio, num contexto plano. Quem nunca viu o desenho de um egípcio sempre de
lado ou mesmo, quem não teve contato com obras da Idade Média retratando anjos
e santos de semblantes meio achatados? A representação da realidade aconteceu
por muito tempo em duas dimensões. Posso até inferir que entre os perfis
chapados dos egípcios até o profundo sorriso de Monalisa, pelo menos mil e
quinhentos anos se passaram. Os limites da compreensão humana abonam os
aperreios que eu passava nas aulas de Maria das Neves. Não foi fácil para a
humanidade reproduzir a realidade em desenhos ou em pinturas, com a profundidade
que nossos olhos a percebem.
O
que resultou é que, na prova final, tive que me acudir com o amigo Armindo
Sérgio, o Pardal, para me livrar de uma incômoda dependência.
Imitar
o real, em profundidade e cores, também não é a essência da arte. Por vezes a
apreensão se dá pela impressão. Desde as aulas do professor Milton Monte, venho
aprendendo isso. E apliquei este meu aprendizado no muro aqui de casa, durante
este período de pandemia.
Risquei
minha impressão de um bairro do Rio de Janeiro chamado Taquara (e este é o
título da minha obra). Ocupa toda a parte superior do muro e em uma largura
próxima a dois metros. Deu um trabalhão. Exigiu firmeza nas mãos e preparo
físico. Esteticamente, se compõe em mosaicos que refletem os 1500 anos de
evolução da pintura. Desenhos planos intercalados por paisagens em perspectiva.
E muita cor. A minha Taquara é colorida. Porque em tempos de isolamento, tão
importante quanto o ponto de fuga é o otimismo das cores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário