sábado, 17 de março de 2018

crônica da semana Piripiri

E parará e Piripiri
Não pensem que é mentira da boa não. Aconteceu mesmo. Juro de pé junto.
Estava tratando da primeira malária, na clínica que a empresa em que eu trabalhava mantinha em Porto Velho. Tava só a casqueta. Amarelo, mofino. Longe dos mimos da mamãe. Me aviando na Primaquina pra ver se eu varava. Na metade do tratamento, já saía do soro, podia dar umas voltas, visitar os companheiros que por ali convalesciam também.
Quando dei com o Piripiri.
Conhecido pelo nome da cidade de origem, que fica no Piauí (aquela cantada pelo Paulo Diniz no disco “Quero Voltar pra Bahia”, de 1970), Piripiri trabalhava como auxiliar de cozinha na minha equipe. Estava todo estiolado. Todo escambibado. Mas a mais extraordinária das mazelas, a gente percebia no polegar da mão direita dele. Deste tamanho. Inchado. Roxo. Tinha chegado de uma cirurgia.
Mas peralá. Não nos quedemos à perdoável descrença. Porque antes de desenrolar a parada do Piripiri, tenho que falar de outro caso fantástico que também presenciei nesta passagem pela clínica, quando me tratava da Vívax terçã.
Não sei o nome do rapaz. Não era conhecido meu, vinha de uma outra frente de serviço lá de cima do rio Madeira. Começou a ter um comportamento estranho no acampamento. Interrompia o sono, à noite, corria e se jogava no igarapé. Gritava e reclamava com extremo sofrimento. Nos últimos dias, grunhia, batia com a cabeça na parede, rolava no chão. Foi tomado como maluco e assim chegou na clínica. Na consulta com o médico, deu-se o inacreditável. Foi constatado que havia uma colônia de insetos povoando o ouvido dele. Um esfregar de patinhas de uma varejeira, numa feridinha que ele tinha na orelha, deu no que deu. E tantos, de tantas envergaduras, e de toda forma insaciáveis que já haviam destruído parte das estruturas do labirinto e a Tuba de Eustáquio. O resultado é que ele expelia os bichinhos pelos caminhos estabelecidos na ligação nariz, ouvido, garganta. Imagino o drama deste rapaz. Às vezes entra uma formiguinha no ouvido da gente e parece que tem um elefante fazendo uma farra lá, que dirá, mina de bichinhos.
Foram tantos com quem partilhei minha caminhada que hoje soma trinta e cinco anos. Na juventude, nas desmesuras da idade, cravei junto a outros desmesurados o rótulo de propriedade para esta gente, que hoje pede retratação. Soa desafinado nos ouvidos corretos politicamente: não eram “os nossos peões”. Eram parte do nosso trabalho. Companhia no barraco, em noites dormidas nas redes enfileiradas, eram vítimas do hematógfago anofelino, que não está nem aí para o sangue de quem é peão ou de quem não é. E não podiam faltar numa mesa farta de cervejas, nos inferninhos mal’arranjados da BR 364.
E Piripiri? Era auxiliar de cozinha. Conhecido pelo nome de sua cidade natal. Se metia em poucas e boas, por isso a rouxidão no dedo. Não vou desenrolar a parada dele, porque Piripiri era um sujeito que não se deixava desvelar.
Por outro lado, o rapaz dos bichinhos no ouvido, quando o encontrei já estava bem melhor, mais calmo. A terapia era fazer lavagem diariamente, no ouvido. Com Rodiasol.

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