Pai
Hoje tá parecendo feriado santo, esse menino. Uma paz! Ah, essas músicas
que tocam na rádio me dão uma malemolência,
esse menino, parece um abandono orquestrado.Vem, vamos se aprontar, vamos
se assear, e passar um talquinho.
Vem, esse
menino, que o sol lá fora é de um clarão amigo e este vento silencioso que
sobe a rua, traz do passado, a saudade.
Vem, deixa eu te lembrar daquele homem que
tu nunca viste, e que, num dia como este, me chegava com um frondoso pé de
alface e uma sacola cheia de coisas da feira para o almoço da família. E
depois, esse menino, aquele homem,
depois do almoço, procurava a paz. Atava a rede na sala e, nu da cintura pra
cima, se embalava descansado, ouvindo o silêncio das crianças da casa, enquanto
eu o admirava ali de longe, querendo, no meu futuro, ser como ele.
O sol é clarinho. Parece uma alma clara,
ali brilhando no céu, zunindo orquestrado no dia. O vento vem de longe. Do fim
da rua e da memória, tocando áspero na gente, mexendo com nossas saudades. E não
se vê viv’alma na rua, esse menino.
Tudo é um deserto só.
Vem, esse
menino, te ajeita, te ajeita. Vamos pra porta da rua, ver o vento passar.
Senta aqui na batente, que eu vou te contar da minha saudade. Saudade de pai, esse menino, saudade de pai.
Em plena
meio-dia deste silêncio, eu lembro daquele pai que zelava pelo depósito de
milho. Daquele homem obstinado que varava dias nos comboios pelas lonjuras dos
seringais. Pai bravo, que ralhava com o Rompe-mato e com o Rompe-ferro, quando
eles perdiam uma caça. Daquele amigo que chegava, na cidade, doido de saudade,
me ajeitava na garupa do melhor cavalo, e me levava pra tomar sorvete de graviola,
na praça Plácido de Castro. Pai negro, com cheiro de floresta, tingido de
defumo de balata, banhado por gotejos de látex. Pai árvore, que me chegava dos
campos com a bainha da calça empestada de carrapicho, e que depois eu ficava
catando um por um. Pai que me carinhava roçando a barba pixaim risonha, carinhosa, no meu cocuruto, e eu, ah,
eu me aninhando naquele colo seguro.
Eita, esse
menino, espia, ali no fim da rua, onde o céu encontra com a árvore mais
florida. Lá, é a casa do tempo. Do tempo perdido, que não volta mais. Do tempo
que ficou velho e pobre e que não me trará mais ninguém: nem meu pai renascido
nem aquele menino mimado. E tu, esse
menino, sem tempo vivido lá no fim da rua, de onde nasce o vento...
E tu? De
quem tens saudades? Que saudades de pai,
tu tens? E éraste, do dia deslumbrante, heim, esse menino, este, clarinho, ventilado, de um zunido orquestrado,
que parece feriado santo, em plena meio-dia!
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