Filho
da glória e do triunfo
E
olha que sou Paysandu!
Mas
o companheirismo, o respeito, a admiração, a parceria, esses temperos que dão
gosto ao relacionamento, me levavam ao Baenão a hora que fosse, ver o Remo. Eu
rompia com todas as travas de torcedor bicolor para acompanhar ‘Seu Jorge’ nos
jogos do Leão.
Meu
tio Jorge, que o costume manteve sempre nos meus dias como ‘Seu Jorge’ era um
torcedor conservador. Quando ia pro campo, era do mesmo jeitinho se fosse para
uma festinha, uma saidinha ao centro, uma volta no arraial. Camisa de botão,
calça de tergal com bolso em faca, lenço no bolso detrás, uma colônia suave. Eu
do lado. Fazia companhia a ele naquela parte da arquibancada tida como a curva
dos velhinhos. E ‘Seu Jorge’ nem era. Era um jovem senhor, mas ficava naquela
meia-lua de arquibancada que dava para a Almirante Barroso porque ali não tinha
briga, não tinha saquinho de xixi, não comportava a bandalheira. Não era
coberta, mas era um lugar quieto e seguro.
Daquele
cantinho, ‘Seu Jorge’ me permitiu ver o Darinta brilhando na Tuna; o Marinho,
um lateral esguio e arisco; O Luís Florêncio, só esguio, e põe esguio nisso.
Não tenho recato de falar não, mas dali, junto com meu tio, pude confirmar a
categoria extraordinário de Zico; a explosão de Reinaldo; a elegância de Jorge
Mendonça (quando o Remo ainda era um respeitado frequentador da raia de elite
do futebol brasileiro). Mais tarde, não pude deixar de me deslumbrar com o
arrasador ataque formado por Leônidas, Bira e Júlio César. Estraçalhava quem
viesse. Nesse tempo o Remo dava só de quatro a zero pra lá.
Tinha
a minha patota da rua. O núcleo do bicola. Nos grandes jogos, se articulavam,
mas eu não ia com eles. Uma porque não tinha dinheiro e outra, porque não me
arriscava com aquela galera. Minha turma não era fácil. Preferia mil vezes ver
os jogos do Remo, fazendo companhia ao Seu Jorge e entrando naquele ritmo de
torcedor da meia-lua de arquibancada.
Não
era parceiro só no Baenão. Tínhamos uma ligação na vida de causa, fins e resultados.
Quando
Seu Jorge entrou na nossa vida, representou um esteio, uma segurança. Ajudava
no que podia. Na época que morou com minha tia Fabi, na vila Três Irmãos, me
garantiu o cumê de cada dia. Na volta da escola, parava lá. Almoçava, passava
um pedacinho e só depois ia pra casa, na Mauriti. Ou não. Podia passar o dia.
Passar dias lá. Eu não me fazia de orgulhoso não. As coisas na Mauriti estavam
difíceis. Mamãe com as vendas, se virava, mas às vezes a provisão era um contadinho
pouco pra cada. Parava na vila Três Irmãos porque sabia que na casa do ‘Seu
Jorge’ e da tia Fabiana, comida farta havia. Ele e minha tia entendiam isso.
Mais tarde, quando iniciou a vida de feirante, na Pedreira, formamos outra
parceria.
Na
terça-feira passada, fui à missa de sétimo dia do ‘Seu Jorge’. Nosso esteio. Um
homem de coração bom. Solidário, amável. Nos deixou ‘Seu Jorge’. E a dor só não
é maior porque o parceiro aqui sabe que ele está numa arquibancada de meia-lua,
que dá para as esquinas do céu, torcendo, daquele jeitinho, pelo Filho da glória
e do triunfo.
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