Chovendo
no molhado
Este
ano foi a segunda vez, em 50 anos, que o mês de fevereiro passou dos limites.
Foi chuva que não acabava mais. Eu já desconfiava que este pampeiro estava fora
da curva. Sou atento. Desde há muito, exercito o faro para a chuva. Nos trabalhos
de Geologia, se o tempo estivesse fechado, a turma nem saía da rede (ou do
pano, como a moçada gostava de falar). A mim, cabia a decisão. Era o dia
clarear um pouquinho, eu dava um tempo, tomava um cafezinho na cozinha, espiava
a formação de nuvens, verificava se tinha neblina (neblina é sinal de sol
durante boa parte do dia), ouvia os passarinhos, percebia a brisa. Fazia uma
combinação com os indícios. Fosse a escolha, o pano, liberava a galera. Outra
fosse a decisão, após o comando, era rápido que a turma se arrumava e caía na
lida. Tínhamos que aproveitar os sinais de estio. Normalmente, acertava. Mas
quando a minha previsão furava, era deprê total. Ainda bambeio quando lembro
ter liberado a equipe pra ficar no pano, o dia permanecer nublado, mas não cair
uma gota do céu. Ficava chato para a corporação. Como justificar aquela ruma de
homem no acampamento só matando o bandeco? Pior, no entanto, era quando
acreditava no estio, saía com a equipe, documentos, instrumentos e lá pelas
tantas, ainda na caminhada rumo à frente de trabalho, o aguaceiro arriava. Era
perda total. De roupa, de víveres, mapas, formulários. Na dúvida era bem melhor
ser desmoralizado pelo sol tímido que ser estiolado pelo toró.
Ainda
hoje, numa outra escala, vivo nessa peleja. Meu trabalho, ou o melhor momento
para fazer o meu trabalho dá-se num tempo sem chuva. Abandonei o faro e agora
me avio em ferramentas mais racionais. Acudo-me a um gráfico pluviométrico que
traz a média dos últimos10 anos. É meu guia. Ele me mostra que pelo comum, o
mês mais chuvoso do inverno amazônico é o mês de março. Chove ali na média de
500 milímetros. Este ano, o mês de fevereiro deu um baile. Choveu no molhado e
antes de findar os 28 dias já tinha registrado mais de 600 milímetros.
É
o tempo dela. Essa chuvinha de agora, vem para nós paraenses, como uma benção,
depois do calorão de esturricar o cocuruto, de final de ano. Logo em janeiro, é
de esperar que a gente esteja curtindo os dias molhados, o friozinho de 23
graus. Mas os dias encharcaram demais. O romantismo das noites friínhas deu
lugar a apreensões e medos. A nostalgia de uma manhã chuvosa revelou perigos
iminentes. A cidade se inviabilizou, em várias oportunidades, nas primeiras
horas do dia. Caos e insatisfação. Alagamentos, interdições, árvores caindo. A
infraestrutura das nossas cidades não assegura um fluxo ordeiro das correntes
formadas durante a chuva. Deus ou a natureza são logo citados como responsáveis
pelo nosso sofrimento. Algures, o disse-me-disse fabrica catástrofes, o senso
comum ratifica flagelos, vítimas falsas e verdadeiras confundem-se na
enxurrada. E uns bonitinhos, ó, só de boa, manipulando, plantando votos e
simpatias.
Março
chegou dando um estiozinho de forra, mas não nos enganemos. Meu gráfico
referenda mais potência de pampeiro.
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