Bibliografia
Tô
dizendo: sou até referência bibliográfica. Não com a ilustração que gostaria de ser citado, mas...
Foi
há alguns anos. O livro é uma produção sobre as técnicas de negociação coletiva.
Obra de diversos autores. Dois deles, consultores que eram figuras batidas nos
embates travados para renovação de Acordo Coletivo, no tempo em que eu atuava
como dirigente no Sindicado dos Químicos de Barcarena. E traz no centro da
narrativa, óbvio, a visão dos patrões sobre a relação capital/trabalho. Operavam
para uma empresa de São Paulo e se gabavam de ter um histórico de negociações
com grandes sindicatos do ABC e de atuarem em outros parques industriais mais
taludos e de mais tradição que o nosso aqui, ribeirinho.
Deixa
estar que eram uns caras passados na casca do alho, como lhes reclamava a
missão. Quando chegavam aqui, vinham com os papeizinhos na mão. Sabiam tudo de
nós. O limite do sindicato, as nossas possibilidades; conheciam as nossas
rotinas, nossas particularidades. Me deram uma rasteira em plena mesa de
negociação, num momento nervoso da pauta, quando, aproveitando-se de um
necessário intervalo para desanuviar o cocuruto, vieram com uma conversa besta,
um chove-não-molha, como quem não quer nada e jogaram no meu peito dois
exemplares do meu livro “O dia mais feliz...”, lançado por aqueles tempos com
grande estardalhaço no Palácio dos Bares. Disseram que estavam passeando no
Shopping, passaram na ‘Ponto e Vírgula’ e compraram para levar de lembrança da
cidade. Autografei, meio ressabiado, e por isso ficou. Voltamos às arengas das
negociações.
Mas
foi batata. Minha desconfiança tinha um quê. Meses depois recebi a obra. Meu
nome e meu livro aludidos lá nas últimas páginas, e no meio do livro, a
justificativa da citação. No capítulo que se propõe a compor o caráter dos
sindicalistas com quem haviam negociado, eu aparecia como exemplo de um endemoniado.
Um diabinho que botava fogo pelas ventas nas horas mais tensas das discussões. Os
autores reconheciam a minha ferocidade na defesa da pauta formulada para a
convenção coletiva e, mais adiante nas reflexões, manifestavam espanto em comparar aquele
negociador imponderável (radical, no dizer deles) com o autor de narrativas flexíveis,
doces e ternas dos temas que formavam “O dia mais Feliz...” .
Esta
semana inteirei 12 anos escrevendo esta coluna. Expus aqui a minha docilidade,
a minha ternura em letras puras que me brotam do coração. Outras vezes, mirei o
visível. O risível. O factual ou histórico. Procuro ser fiel, na minha escrita,
ao espírito da arte. Dentro do cronista, porém, habita um peão do chão de
fábrica que põe comida na mesa em diários acordos coletivos com a vida. Meu
contar também é uma pauta radical inspirada em conquistas e direitos. Minha
composição é adoçada pelos amaros discursos do operário. Meu lirismo selvagem é
a delação de um mundo cão, enfrentado, sem temor, em cada verso, em cada prosa.
Ledo
engano pensar que meu riscado seja um traçado subalterno. Tô dizendo: minha
narrativa não é uma reta submissa. Na vida real, a bibliografia que dê seu
jeito.
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