O
pandeiro do meu amigo
Este
ano, com muita luta e talento quase nenhum, consegui tocar umas peças no
pandeiro, com o mérito louvável, de não atrapalhar o samba. Sou amante da
música. Seria natural então, que a minha guinada para o pandeiro fosse um desdobramento
deste meu pendor musical. Não foi. O quadrado que faço no couro se realiza, com
sincera intenção, como uma homenagem ao meu amigo Arnaldo Porfírio Wanzeller...
Antes
mesmo de conhecer o Arnaldo, já tinha uma admiração por ele. É que era costume,
na Escola Técnica em tempos outros e melhores, ex-alunos empregados visitarem a
Escola. A aula era interrompida, o visitante era apresentado com reverência e,
em poucas palavras, descrevia como era a vida de um Técnico de Mineração. Todos
nós que estávamos no último semestre, ficávamos empolgados, fazíamos perguntas,
e não raro, após a aula, continuávamos o bate-papo num barzinho ali da 25, tudo
por conta do técnico formado que já ganhava o dinheirinho dele, é claro. Era um
exemplo a ser seguido. Com o Arnaldo não foi diferente. Quando voltamos a nos
encontrar em Rondônia, anos mais tarde, ele já era meu ídolo.
A
última vez que o vi foi no reveion de 2013, na estação das docas.
Arnaldo
trabalhou muito em prospecção e pesquisa mineral, aqui no Pará. São missões
penosas, difíceis. Muitos dias no mato, andando por dentro d’água, com o
acampamento nas costas. Trampo brabo, na linguagem da turma. Uma oportuna
transferência o levou para as minas de cassiterita em Rondônia, onde eu
trabalhava. O local era uma vila organizada, com casas relativamente
confortáveis, comida boa. Caminha macia pra dormir. O trabalho era sempre
perto. Todo fim de expediente, nos encontrávamos. Naqueles dias, conheci a
musicalidade de Arnaldo. A música que habitava nele. Era um percussionista
fenomenal. Depois do trabalho, encostávamos no balcão do nosso alojamento, um
violão aparecia e Arnaldo ia buscar um acervo farto de instrumentos. E, ao
contrário de nós, sem beber uma gota de álcool, por causa do rim baqueado,
tocava cada um deles com cristalino respeito, com insuspeita dedicação, e com
muito prazer, mesmo diante de companhias amadoras que não saiam do Lá menor. Eu
ficava hipnotizado com a perícia, com a desenvoltura de Arnaldo e, é claro, com
o encantamento dele ao simples tilintar de dois vidrinhos, ou ao baque seco no
pandeiro. Às vezes, eu não resistia e perguntava: “como é, como é que toca?”.
Ele pegava o pandeiro, colocava assim à altura dos meus olhos, deslizava a mão
em ritmos variados, e fazia uma carinha animada, extasiada. Era um momento
mágico dele com o talento sem medidas que ele tinha.
Meses
depois daquele reveion, encontrei os meninos do Cabloco Muderno fazendo uma
oficina na praça da República. Perguntei pelo Arnaldo. Não estava mais entre
nós. Não lembro de ter chorado tanto, nos últimos anos. Perdi meu amigo.
Aos
primeiros fogos anunciando 2018, vou pôr o pandeiro embaixo do braço e seguindo
os acordes do samba bom, com meu pouco talento, vou batucar uma homenagem amiga
e sincera ao Arnaldo, percussionista irretocável, querido, ídolo, irmão.
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