domingo, 17 de dezembro de 2017

crônica da semana - muita onda

Muita onda
Certa vez, quando eu fazia Geologia, rolou uma pendenga sobre a teoria da Evolução. Uma colega era radical em negar a teoria de Darwin. Alertei para o fato de que alguns estudos geológicos operavam como fundamentos das idéias Darwinistas e se ela não acreditava na teoria, por tabela, desacreditava da Geologia. Ela recorria a doutrinações religiosas para criticar a Evolução. Acho que não prosseguiu no curso. Certamente seria difícil para ela, conciliar ciência, religião e alcançar aquele errezinho salvador que lhe garantisse varar os semestres.
Boto fé na ciência. Passei por crises, também, na época de igrejeiro. Na hora da dúvida, na hora de tomar pé e dar sentido às coisas, reconheci a religião como meio insuficiente de provas e constatações. A minha decisão em optar por outras leituras da realidade, se não compõe um fim, na certa oferece caminhos mais desafiadores. Permite atitudes ousadas, inquietações saudáveis. Insubordinações produtivas. Foi assim, penso eu, que a humanidade caminhou. Deixou de andar de quatro, de vagar de galho em galho, ergueu-se, construiu mundos e chegou aos confns dos céus.
Não descarto o Deus bom. Se alguém o busca para o bem, para exercitar o amor incondicional, e para preservar valores que nos leguem o necessário à preservação da espécie, pai d’égua. Tá valendo.
O que me perturba é que, mais comumente do que a nossa lógica vã possa imaginar, Deus é evocado para ocultar, para negar, para se contrapor à clareza das coisas.
Outro dia, no trabalho, reclamando do alvoroço que está a baía do Guajará, ao entardecer, com ondas fortíssimas obrigando os barqueiros a fazerem manobras delicadas para atracar no porto, alguém se adiantou em afirmar que aquilo era obra de Deus. E sem quê nem pra quê, pois sequer esbocei versão diferente àquela defendida por ele, asseverou o discurso afirmando que o homem tenta dar conta de tudo, quer alterar, mudar a natureza, mas Deus está no comando e com supremo poder controla as ondas batendo no casco e dificultando a atracação das embarcações, na beira da baía do Guajará. Credo! Este jeito de interpretar o movimento das ondas, é o mesmo artifício usado pelos gregos, antes de Cristo, quando todo movimento de mundo e de alma que não se conhecia, atribuía-se a causa, a um Deus. Então, este pensamento de explicar o solavanco das ondas pelo humor de Deus data de, no mínimo, três mil anos. Tá atrasado pacas. É uma prática que, com a evolução do conhecimento, se diluiu em concentradas soluções e deu lugar a entendimentos mediados pelo método científico.

Se não nos arriscamos à explicação mundana, que a gente se permita ao menos, a observação. Viajo de barco pela manhã, cedinho. Neste horário, a baía está calma, O barco desliza que é uma maravilha, pelo tapete de água. Mas no final da tarde, na volta, o banzeiro chega a assustar. Me parece conveniente atribuir esta mudança no comportamento das águas, à alteração de temperatura no ambiente, que de manhã é bem fria, e à tarde tá de derreter o cocuruto, e não ao humor do Todo Poderoso. Creio que Deus não faz onda.

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