Eternas Ondas
Coincidências, encontros fortuitos, Robertinho do Recife, Stephen Hawking, uma única medida para tudo, Fagner. Numa breve história do tempo.
Que teve seu começo lá nos primeiros anos da década de 80 do século passado.
Uma sala no pavilhão administrativo da Escola Salesiana do Trabalho. Tarde de sábado. Fazíamos a redação de “O Caminho”. Era o jornalzinho do nosso grupo de jovens. As máquinas de datilografia da secretaria da Escola estavam aquecidas. Escrita preciosa como a do futuro jornalista Edir Gaya, marcava aquela edição. Os temas, cristãos, eram mimetizados a casos circunstantes. As comunidades unidas, as conquistas diárias, os verbos de novos e democráticos tempos eram conjugados nas páginas de “O Caminho”, naquela tarde de sábado. No cantinho da sala, uma vitrola dava o tom da nossa prosa. “A Canção Brasileira”, de Raimundo Fagner, chegava, enfim, até nós, com o fim de um longo e esturricado verão. Um “Vento Forte” nos marcava em sulcos profundos, e se era do vento ou sei lá, um trinado audacioso, de guitarra, rompia artérias, desconectava ligamentos, incendiava neurônios, desfazia monotonias sensoriais. Arranjos modernos, um jeito de cantar atrevido, meio gritado, letras românticas subscritas no enigma revolucionário, ainda enterrado em anos de ditadura. Era o disco “Eternas Ondas” nos encantando. Aqui, ali, alguém tirava a agulha da faixa da hora, buscava um violão. Nós, então, dávamos um tempo na arquitetura dos textos e nos lançávamos em animado coro no “Reizado” ritmado do senhor dono da casa que iluminava nossos corações.
O tempo, como uma mágica quântica dá saltos. E eis que sábado passado, amanheci numa cuíra danada de tocar as músicas daquele disco. Afinei meu violão pelo aplicativo do celular, aproveitei que a Pirajá anunciava uma incomum manhã de silêncio, me aprumei no cantinho ali da sala. Toquei, e cantei com indisfarçável paixão.
E não é que horas depois, soube de um show que o Fagner vai fazer aqui em Belém! Logo me assanhei. Comentei na minha página na internet. Me voltaram falando cobras e lagartos do cantor cearense.
O final do filme “A Teoria de Tudo”, que conta a vida de Stephen Hawking, faz uma provocação, roda as cenas no sentido contrário. Do fim para o início. Aquece a discussão Física de uma alteração no tempo.
Antes de julgar o Fagner pelas posições políticas atuais dele, voltei no tempo. Fui lá no disco “Eternas Ondas”, revisitei a redação do jornalzinho de nosso grupo, reposicionei a agulha na faixa de “Reizado”, e considerei pensar mais pra frente sobre esta única medida que temos para tudo. Se houver frente, se houver um adiante que chamamos de futuro, se eu me convencer que não estamos numa bolha instável que pode voltar para trás todas as conquistas abstratas e concretas daquela turma que datilografava nas Olivettis da secretaria da Escola Salesiana o imbricamento de temas cristãos com a baixada alagada da Sacramenta, asseguro que vou procurar relevar a melancolia de uma única equação que defina fim e começo. Vaca Estrela e Boi Fubá. Tarde de sábado lá, manhã de sábado cá.
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