Pelas
laterais.
A Mauriti já era
asfaltada, havia um tráfego considerável na rua. Pelo menos duas linhas de
ônibus faziam seu itinerário por ali, tinha um fluxo de mão dupla. O trecho em
que eu morava, entre Marquês e Pedro Miranda, era bem movimentado, a qualquer
hora do dia. Mas era só a chuvinha da tarde cair que a galera desentocava com a
bola. Havia um líder. Um moleque que saía assobiando na frente das casas. Era a
senha pra montar os times.
Sob protestos da
mãe, já saíamos aquecendo, dando aqueles saltitos desengonçados às margens do
meio-fio. Os mais práticos acudiam-se aos, raros, terrenos in natura da área,
de lá sacavam as touceiras de capim e as lançavam aos pares sobre o asfalto
demarcando as travinhas e ao mesmo tempo iam nominando as equipes.
O certo tanto de
lá, o tanto certo de cá, a galera da grade saltitando inconformada na beirada
da rua, as regras definidas: dez minutos ou um gol; em caso de empate, cara ou coroa; não se para pra carro).
Parece meio
loucura relatar uma partida de futebol de travinha no leito áspero e duro da
Mauriti, se arriscando entre os carros. Mas esta cena era comum, lá pelo final
da década de 70, início da década de 80. Aproveitávamos qualquer chuvinha. Era
respingar e a gente armava o campo. O trânsito reduzia, os carros passavam
devagar aquaplanando (a rua era asfaltada, mas não plenamente saneada).
Quando a chuva
ia parando, o asfalto secando, a coisa ficava perigosa. Os carros ressurgiam
velozes e furiosos, o Nova Marambaia-Telégrafo varava feito um bólido, sempre
atrasado, e as bicicletas surpreendiam pelo acostamento. Mas a regra era clara.
Não se parava pra carro. Até dar de noitinha, a gente ainda insistia. Dez
minutos ou um gol.
Se o trânsito
aumentava e não era possível mais operar os lançamentos em profundidade e a
penetração pelo meio, recorríamos às jogadas pelas laterais.
Intuitiva ou
oportunamente, concentrávamos nossas jogadas naquela região do campo em que
mais ideologias e elucubrações táticas são empregadas. Sempre defendidas, pouco
entendidas, as laterais do gramado já foram o prazer e a dor de muitos
técnicos. Hoje, chamamos os que ali militam, de ala. Antigamente era lateral
diretito ou esquerdo. A posição era conservadora, defensiva. Mas com o aumento
do fluxo de carros depois da chuva e com a determinação cartesiana do Claudio
Coutinho, virou opção ofensiva. Projetou-se o ponto futuro, o overlap,
aprimorou-se a tabela curta, o cruzamento e...o gol.
O problema eram
as bicicletas. Numa das minhas infiltrações rés a calçada, tabelando com o pneu
do Sacramenta Humaitá, na horinha do cruzamento medidinho, fui surpreendido por
uma magrela. Me pegou por trás. Ela caiu prum lado, eu pra dita lateral da rua.
A regra era clara. Em caso de atropelamento, chama a mãe. Peguei um carão, passei
uns dias no estaleiro, todo encalombado, só ouvindo os assobios na hora da
chuva.
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