Juntando
os caquinhos
O meu desejo sincero para 2018 é que a gente consiga
juntar os caquinhos e se reerga. Meu anseio é que nosso povo reencontre a
autoestima e se reconheça como um povo digno, capaz de romper lacres,
traspassar barreiras. Temos que nos animar para a luta, porque olha, pegamos um
direto no queixo. A cabeça rodou, a perna bambeou, a vista turvou e desabamos
pesadões, meio que sem saber ao certo o porquê da queda. O certo é que o golpe
nos levou ao chão frio da intolerância, nos introduziu no duro mundo da
exploração desmedida. Urge juntarmos os caquinhos. Fomos tragados por uma onda
autoritária, como se estivéssemos lá no início de nossa história.
Vi, num filme, dia desses, uma cena que, se
não se desenrolasse em 1929, juro que poderia ser hoje, na tribuna improvisada
em cima de uma caixa de madeira, numa esquina qualquer deste Brasil despedaçado.
Tratava-se de uma reunião de porções progressistas da sociedade. Era o
lançamento de um jornal que defendia as causas populares. Diante de uma plateia
atenta, o orador enfileirava as pautas mais urgentes. A questão da mulher
entrava como destaque. Dizia ele ser inaceitável que em pleno ano marcado pelas
modernidades como o de 1929, a mulher ainda não tivesse direito ao voto, no
Brasil. E que, com tamanha desfaçatez, fosse subjugada a um ser complementar da
sociedade em contraponto a todos os direitos concedidos aos homens. Continuava
o discurso apontando o racismo como uma doença que corrói os alicerces sociais.
Deu exemplo de práticas discriminatórias nos bondes, nos cafés e até em
logradouros onde os negros não podiam estar ou andar. Constava também dos
objetivos do jornal, a valorização da cultura popular e a denúncia incisiva de
empastelamentos de shows ou reuniões musicais, onde os participantes cantassem
e dançassem o samba. A fala nessa hora ficou embargada, quando anunciou a
abertura da sede do jornal para que lá, artistas como Pixinguinha, Donga, João
da Baiana, pudessem mostrar a verdadeira música brasileira.
Enquanto discursava, o orador ajustava uma
bandagem que ostentava acima dos olhos, cobrindo um profundo corte, produto, segundo
relato dele, de um confronto violento com os primeiros grupos fascistas
organizados no Brasil.
Estamos inaugurando o ano de 2018. Há 86
anos, por lei assinada no governo provisório de Vargas, a mulher conquistou o
direito de votar.
Mas leis, numa democracia frágil como a
nossa, são fluídos ralos, são vapores dissipáveis de acordo com a conveniência
política. A CLT, outra lei que veio sob a pena de Vargas, ganhou o ralo numa
ação de total afronta do congresso, aos trabalhadores do país. Em outra frente,
grupos radicais que repetem pensamentos fascistas, defendem a regulamentação de
salário menor para as mulheres, pelo simples fato de serem mulheres. Uma
demonstração despudorada de misoginia.
Estamos na infância de 2018, mas parece que,
como no filme, vivemos a senilidade de 1929.
Nosso povo é do bem, mas não é besta. É tempo
de juntar os cacos, erguer-se e partir para reconquistar o futuro. É o meu
sincero desejo para o ano novo.
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