Novesfora
nada
Eu
me diverti a valer com um vídeo que recebi outro dia pela internet. Mostrava um
garoto oriental, na escola (sofrendo) de frente a um quadro, com o desafio de
resolver a conta de subtração pedindo o resultado de oito menos seis. A conta no
giz da lousa, o pequeno no aperreio. Tocava a lousa, contava nos dedos, fechava
os olhos, efetuava mentalmente a operação, e nada. Numa última tentativa,
recorreu à inocente cola. Olhou para a turma atrás dele e o olhar suplicou uma
dica. Entre discrições e dissimulações, percebe-se um dos coleguinhas acenar
para ele com os dedos médio e indicador em destaque. Ele disfarçou, deu um
suspiro de alívio, voltou ao quadro e escreveu a letra “v”, além do sinal de
igualdade.
Entendo
a tensão do garoto. Quem de nós não passou por uma situação difícil assim de ir
ao quadro e ser desafiado a dar uma resposta. A gente fica por acolá de
nervoso. Eu mesmo, dia desses, já velhinho, quando fazia Cálculo I, na Federal,
fiquei num pé e noutro quando a professora me mandou escrever um Intervalo Real
no quadro. Mandei: (6,2). Não atinei que os números devem ser escritos em ordem
crescente. Peguei uma super bronca de uma colega metidona que me repreendeu
dizendo que por ser o mais velho da turma, deveria dar exemplo, não era pra errar
uma notação besta daquelas que a gente aprende na sétima série. Toma-te. Me
ferrei. Poderia ter olhado pra trás e suplicado uma cola, nera.
Aí,
tá. Passou, passou. A turma toda criou uma cisma com a colega. A maioria dos
jovens estudantes, além de mim, o velhinho da classe, estava reprovada mesmo
(por causa também do Intervalo Real lá da sétima série) resolvemos dar um ‘até
semestre que vem’ pro Cálculo I, com uma festa. Fiquei na contabilidade dos
comes e bebes. Listei nomes, valor da contribuição de umas trinta pessoas e, no
final, sem máquina, somei tudo na ponta do lápis. Ao final da conta, fui pedir
a coleta da coleguinha. Aproveitei e pedi pra ela fazer a prova dos nove, pra
ver se minha conta estava certa. Mas quando! Sabia as mais intrincadas
equações, as mais enigmáticas funções. Derivadas por definição e Integral
tripla. Mas se emboletou todinha pra me dar a prova dos nove da minha conta.
Dou
o desconto para nossa jovem presunçosa. Essas coisas, prova real, prova dos
nove, ponta do lápis, são artes de caixeiros, de prestação, de taberneiros das
antigas, daqueles que vivem com um lápis atrás da orelha. Aprendi um pouquinho,
com minha mãe a tirar a prova dos nove. Ela usava este artifício para garantir
a certeza do que tínhamos em débito ou em haver, no final de cada dia de peleja
com o crediário Santa Luzia, em perambulações, pelas ruas da Pedreira. Eram
contas que iam além de uma página da caderneta de notas. Ao final, para
conferir o resultado, lá íamos nós: oito e sete, quinze. Novesfora, seis.
Bateu.
Este
mês, já familiarizado com os limites que os intervalos da vida real nos impõem,
inseri a conta de luz na coluna de débitos da casa. A conta não fechou.
Calculei de novo e tirei a prova dos nove. Nove, novesfora, zero.
Bateu.
Conta certa, futuro incerto.
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