sábado, 4 de novembro de 2017

crônica da semana-novesfora

Novesfora nada
Eu me diverti a valer com um vídeo que recebi outro dia pela internet. Mostrava um garoto oriental, na escola (sofrendo) de frente a um quadro, com o desafio de resolver a conta de subtração pedindo o resultado de oito menos seis. A conta no giz da lousa, o pequeno no aperreio. Tocava a lousa, contava nos dedos, fechava os olhos, efetuava mentalmente a operação, e nada. Numa última tentativa, recorreu à inocente cola. Olhou para a turma atrás dele e o olhar suplicou uma dica. Entre discrições e dissimulações, percebe-se um dos coleguinhas acenar para ele com os dedos médio e indicador em destaque. Ele disfarçou, deu um suspiro de alívio, voltou ao quadro e escreveu a letra “v”, além do sinal de igualdade.
Entendo a tensão do garoto. Quem de nós não passou por uma situação difícil assim de ir ao quadro e ser desafiado a dar uma resposta. A gente fica por acolá de nervoso. Eu mesmo, dia desses, já velhinho, quando fazia Cálculo I, na Federal, fiquei num pé e noutro quando a professora me mandou escrever um Intervalo Real no quadro. Mandei: (6,2). Não atinei que os números devem ser escritos em ordem crescente. Peguei uma super bronca de uma colega metidona que me repreendeu dizendo que por ser o mais velho da turma, deveria dar exemplo, não era pra errar uma notação besta daquelas que a gente aprende na sétima série. Toma-te. Me ferrei. Poderia ter olhado pra trás e suplicado uma cola, nera.
Aí, tá. Passou, passou. A turma toda criou uma cisma com a colega. A maioria dos jovens estudantes, além de mim, o velhinho da classe, estava reprovada mesmo (por causa também do Intervalo Real lá da sétima série) resolvemos dar um ‘até semestre que vem’ pro Cálculo I, com uma festa. Fiquei na contabilidade dos comes e bebes. Listei nomes, valor da contribuição de umas trinta pessoas e, no final, sem máquina, somei tudo na ponta do lápis. Ao final da conta, fui pedir a coleta da coleguinha. Aproveitei e pedi pra ela fazer a prova dos nove, pra ver se minha conta estava certa. Mas quando! Sabia as mais intrincadas equações, as mais enigmáticas funções. Derivadas por definição e Integral tripla. Mas se emboletou todinha pra me dar a prova dos nove da minha conta.
Dou o desconto para nossa jovem presunçosa. Essas coisas, prova real, prova dos nove, ponta do lápis, são artes de caixeiros, de prestação, de taberneiros das antigas, daqueles que vivem com um lápis atrás da orelha. Aprendi um pouquinho, com minha mãe a tirar a prova dos nove. Ela usava este artifício para garantir a certeza do que tínhamos em débito ou em haver, no final de cada dia de peleja com o crediário Santa Luzia, em perambulações, pelas ruas da Pedreira. Eram contas que iam além de uma página da caderneta de notas. Ao final, para conferir o resultado, lá íamos nós: oito e sete, quinze. Novesfora, seis. Bateu.
Este mês, já familiarizado com os limites que os intervalos da vida real nos impõem, inseri a conta de luz na coluna de débitos da casa. A conta não fechou. Calculei de novo e tirei a prova dos nove. Nove, novesfora, zero.
Bateu. Conta certa, futuro incerto.



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