Aí, aí...Quem conta outra?
Era
uma vez um caçador que varava as noites à espera de uma boa caça. Na lua nova,
localizava a comidia só com a raquítica luz de sua lanterna. Quando lá chegava,
subia no mutá e ficava em silêncio, sem mexer um dedinho sequer, nem quando as
suvelas lhe consumiam o sangue em sucessivas e doloridas ferroadas.
Certo
dia, o caçador resolveu armar o mutá na lua cheia mesmo. A casa estava
abastecida de carne de tudo quanto é tipo de bicho, mas o caçador agora, queria
pegar um gato, pra tirar o couro e vender pr’aquele doutor que acabara de
chegar na cidade.
Chegou
no barreiro, ouviu o fuçado perto, e quando o primeiro porco apareceu, disparou.
Sangrou o bicho, espalhou o sangue por um longo caminho e jogou o porco-do-mato
dentro de um alçapão. Subiu na árvore e assuntou.
Quando
a lua estava bem no meio do céu, os mistérios da meia-noite começaram a
inquietar a alma do caçador. A mata silenciou e nem o zunido ameaçador das
suvelas ouviu-se mais.
Foi
então que ele viu, aproximando-se, entre os matos finos que se estendiam sobre
a picada um hominho de cabelos vermelhos e pés pra trás. O pequenino encantado
emitia um som de dor e revolta. Investiu sobre o alçapão e destruiu com
poderosos golpes os feixes de gravetos entrelaçados que serviam de prisão para
o porco-do-mato. O bichinho ainda respirava, mas sangrava muito. Antes de
socorrer o porco nos ombros e ganhar o rumo da mata, o anãozinho achou o
caçador se tremendo todo lá em cima, no mutá. Olhou para ele e...
Aí,
aí... Quem conta outra?
Aí,
sabe, num reino encantado, bem distante dali morava um príncipe muito bonito e
muito bondoso. O príncipe tinha um primo que morava lá no alto das grandes
serras, onde o céu é escuro e a noite é fria.
Este
primo era muito mau e morria de inveja do príncipe porque ele era bonzinho e
tinha muitos amigos e admiradores. O primo mau não tinha ninguém. Nem pai, nem
mãe. Nasceu de um galho de espinheira e foi criado por um cachorro do mato e
por um pavão sem cor.
Um
dia ele encontrou uma bruxa que andava por ali pela floresta doida pra malinar
com alguém. Então o primo mau prometeu para a bruxa que se ela transformasse o príncipe em um urubu e,
também, se ela encantasse todo o reino para que dele fosse amigo e bajulador,
ele a levaria para morar no castelo e lá, ela poderia fazer as perversidades
que quisesse.
Aí,
sabe, a bruxa jogou o encanto, e no outro dia o príncipe apareceu no quintal
bicando a lixeira e ciscando um restinho de comida aqui, outro ali. Foi então
que apareceu a fada madrinha e ...
Aí,
aí... Quem conta outra?
Aí,
sabe, na beira do rio São Francisco, em Barcarena, morava uma família temente e
devota das coisas do Senhor. Um dia, o vizinho lá do centro veio e avisou:
“olha, não presta cozinhar carne de caça na semana santa, que a cobra Sofia se
enfeza e vem buscar a gente”. A família não maldou. Na quinta-feira, a pesca
rareou. A fieira que o pai trouxe não dava pra nada. A mulher então inteirou o
comer daquele dia com um quarto de paca que ela tinha salgado dias antes. A
família comeu à vontade. Empanzinaram-se de costela assada com farinha e com o
caldo de peixe.
No
outro dia, em jejum, o pai saiu pra pesca, com o filho mais novo. Quando
cruzaram a ponte nova, sentiu o banzeiro. O pai fez ai Jesus e benzas deus e
remou o mais forte que pode. Mais adiante, já quase chegando no porto da balsa, a cobra Sofia ergueu-se das
águas a quase dez braças do nível da maré e avançou sobre a canoa do caboclo.
Nessa hora ele deu um grito medonho, se pegou com todos os santos e...
Aí,
aí... Quem conta outra?
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