terça-feira, 7 de novembro de 2017

crônica remix - cobra sofia

Aí, aí...Quem conta outra?
Era uma vez um caçador que varava as noites à espera de uma boa caça. Na lua nova, localizava a comidia só com a raquítica luz de sua lanterna. Quando lá chegava, subia no mutá e ficava em silêncio, sem mexer um dedinho sequer, nem quando as suvelas lhe consumiam o sangue em sucessivas e doloridas ferroadas.
Certo dia, o caçador resolveu armar o mutá na lua cheia mesmo. A casa estava abastecida de carne de tudo quanto é tipo de bicho, mas o caçador agora, queria pegar um gato, pra tirar o couro e vender pr’aquele doutor que acabara de chegar na cidade.
Chegou no barreiro, ouviu o fuçado perto, e quando o primeiro porco apareceu, disparou. Sangrou o bicho, espalhou o sangue por um longo caminho e jogou o porco-do-mato dentro de um alçapão. Subiu na árvore e assuntou.
Quando a lua estava bem no meio do céu, os mistérios da meia-noite começaram a inquietar a alma do caçador. A mata silenciou e nem o zunido ameaçador das suvelas ouviu-se mais.
Foi então que ele viu, aproximando-se, entre os matos finos que se estendiam sobre a picada um hominho de cabelos vermelhos e pés pra trás. O pequenino encantado emitia um som de dor e revolta. Investiu sobre o alçapão e destruiu com poderosos golpes os feixes de gravetos entrelaçados que serviam de prisão para o porco-do-mato. O bichinho ainda respirava, mas sangrava muito. Antes de socorrer o porco nos ombros e ganhar o rumo da mata, o anãozinho achou o caçador se tremendo todo lá em cima, no mutá. Olhou para ele e...
Aí, aí... Quem conta outra?
Aí, sabe, num reino encantado, bem distante dali morava um príncipe muito bonito e muito bondoso. O príncipe tinha um primo que morava lá no alto das grandes serras, onde o céu é escuro e a noite é fria.
Este primo era muito mau e morria de inveja do príncipe porque ele era bonzinho e tinha muitos amigos e admiradores. O primo mau não tinha ninguém. Nem pai, nem mãe. Nasceu de um galho de espinheira e foi criado por um cachorro do mato e por um pavão sem cor.
Um dia ele encontrou uma bruxa que andava por ali pela floresta doida pra malinar com alguém. Então o primo mau prometeu para a bruxa que  se ela transformasse o príncipe em um urubu e, também, se ela encantasse todo o reino para que dele fosse amigo e bajulador, ele a levaria para morar no castelo e lá, ela poderia fazer as perversidades que quisesse.
Aí, sabe, a bruxa jogou o encanto, e no outro dia o príncipe apareceu no quintal bicando a lixeira e ciscando um restinho de comida aqui, outro ali. Foi então que apareceu a fada madrinha e ...
Aí, aí... Quem conta outra?
Aí, sabe, na beira do rio São Francisco, em Barcarena, morava uma família temente e devota das coisas do Senhor. Um dia, o vizinho lá do centro veio e avisou: “olha, não presta cozinhar carne de caça na semana santa, que a cobra Sofia se enfeza e vem buscar a gente”. A família não maldou. Na quinta-feira, a pesca rareou. A fieira que o pai trouxe não dava pra nada. A mulher então inteirou o comer daquele dia com um quarto de paca que ela tinha salgado dias antes. A família comeu à vontade. Empanzinaram-se de costela assada com farinha e com o caldo de peixe.
No outro dia, em jejum, o pai saiu pra pesca, com o filho mais novo. Quando cruzaram a ponte nova, sentiu o banzeiro. O pai fez ai Jesus e benzas deus e remou o mais forte que pode. Mais adiante, já quase chegando no  porto da balsa, a cobra Sofia ergueu-se das águas a quase dez braças do nível da maré e avançou sobre a canoa do caboclo. Nessa hora ele deu um grito medonho, se pegou com todos os santos e...
Aí, aí... Quem conta outra?  



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