Volta de ônibus
Tirem
as crianças da sala, pois o que conto agora não é prosa de bom alvitre. É
passagem lá detrás que bom exemplo não é, mas é prosa sincera e de reflexão
pros dias em que pensamos o futuro dessa meninada energizada que está por aí
sem os devidos quereres e haveres...
Fiz de
quinta a oitava série na Escola Jarbas Passarinho, ali detrás do Bosque, e não
nos percamos, por ora, nas considerações sobre o nome da escola, que isso é
tema melindroso para outras e subversivas narrativas. Pois bem.
Repeti
a sexta série. Era bebê em 1976 e já trabalhava de carteira assinada no antigo Supermercado
Carisma. Meu horário era de três da tarde às 11 da noite.
Chegava
em casa pra lá de meia-noite, na baba. Mamãe me esperava na entrada da Vila
Mauriti, me ajeitava um cumê e a gente ficava se embalando na rede ouvindo o
programa do Joel Pereira até o sono chegar, já na madrugada valendo. No outro
dia quem disse que eu tinha pique pra ir pra aula. Saía sempre atrasado...e dormindo.
Chegava
na Pedro Miranda e, ao invés de pegar o ônibus no rumo do Bosque, atravessava as
três pistas da avenida...dormindo e subia no Pedreira Lomas em direção ao
centro...dormindo. Era a linha que fazia o maior trajeto. Sentava lá atrás,
continuava a soneca. Dava a volta na cidade e quando chegava ao final da linha,
que era ao pegado da escola, subia n’outro ônibus na mesma pisada, refazendo o
percurso para o centro...dormindo. Nessa segunda volta de ônibus, o dia já se
adiantava além das dez horas e eu achava que já podia ir pra casa sem dar
muitas explicações pra mamãe: não era tão cedo, nem tão tarde. Em casa, ficava
lerdando sonolento, almoçava e me aprontava para mais um dia de batalho no
Carisma.
O que
torna é que não passei. Não que eu fosse burrão. Uma vez na vida outra na morte
que eu me sentia inteiro e ia pra aula, até que captava as mensagens dos
mestres, respondia as perguntas, participava. Os professores sabiam da minha
jornada até altas horas, sensibilizavam-se, me davam chances. Um deles, Sandim
que pela doçura e zelo no trato com os alunos mais parecia um clérigo professor
de Religião que um cartesiano professor de Matemática, me recheou o boletim de
notas boas, e mesmo sem eu ter feito uma única prova, passei com ele. Passei em
um monte de matérias, mas às três que me levaram à recuperação, não dei a
mínima. O que conta é que fiquei com vergonha de estudar nas férias e ter que
aguentar a encarnação do pessoal da rua. Chamei minha mãe para um canto e comuniquei
que preferiria repetir o ano. Foi o que ocorreu.
De certo
também foi a decisão d’eu não mais trabalhar como homem grande, com obrigações,
cartão de ponto, chefe caxias. Isso, provado estava que me tirava de rota das
aulas.
Fiz a repitota,
escorreguei aqui, ali, mas passei de ano. Voltei a trabalhar com liberdade, na feira,
na marretagem, no prestação e dali, até meu canudo na Escola Técnica, não
cheguei mais tão arrebentado em casa e não mais repeti de ano, embora ainda
fosse minha grande diversão dar uma volta de ônibus pela cidade.
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