Dígrafos, Similares e a Pedagogia
Moderna
Este
ano foi a colação de grau da minha filha. Da alfa. A menina aprendeu a ler e a
escrever e ganhou uma festa robusta com pompas, circunstâncias, look de
princesa, entrega de diploma, flashes e chororôs na platéia, tudo sob o aval da
pedagogia moderna.
Festa
para criança com a suntuosidade dos eventos de gente grande. E eu acho até que
a festa é mais para a gente mesmo, os pais (para as tias da escola, para a
diretora, para o fotógrafo...) do que para as crianças.
Não
sei se este tipo de celebração é parte do legado deixado por Paulo Freire aos
oprimidos pelo sistema. Só sei que no meu tempo, não era assim. Nem pelo apego
à celebração, nem pelos métodos de aprendizado.
Quanto
ao método, minha mulher me atualiza dizendo que hoje em dia é assim, pelas
famílias. Tem a do bê. Ba, be, bi, bo, bu e o bão; e assim por diante. Eles
juntam as famílias e vão formando as palavras, na escrita, na leitura, e parari,
parará, arremata a minha mulher, deixando escapar um ar de discreta simpatia
por estes métodos modernos.
E
eu, inquieto, me pergunto: e o ene-agá-nhá, minha flor? E o éle-agá-lhá? E a
arte de soletrar? E a sonoridade das construções labiodentais do tipo “vovô viu
a uva” e “a uva é de Ivo”?
Antes
as palavras surgiam sofridas dos dígrafos: bê...ó, bó; éle...i, li;
ene-agá-nhá...Bolinha. Cê...á, ca; esse...i, zi; ene-agá-nhá... Casinha (neste
caso, também com o conflito fonético implícito no ésse com som de zê). Éfe,
ó...fó; éle-agá-lha...fólha (e partia-se, intuitivamente, para o ajuste no som
do ó: fôlha.
A
cartilha apontava: A bola é de Mauro.
E até hoje percebo que, mesmo ante a pedagogia moderna, o martírio continua o
mesmo, para este érre intrometido de Mauro. Especialmente para este caso, no
início da Alfa, minha filha se estressava horrores e dizia “ ah, eu não sei. Às
vezes é rá, (como o rá de caramba) às vezes é rá, (como o rá de rato)...ah, eu
não sei”, inquietava-se e chutava o pau da barraca. .
Eu
acho que a arte de soletrar, hoje, daria bons resultados e ajudaria a
desmistificar uns e outros fantasmas fonéticos. A palavra sexo, tão
incompreendida, por exemplo, seria dissecada: Ésse, é...Çé. Kê, i...Ki. Cê,
cedilha...ó. Çéquiço. Táxi, outra palavra segregada pela pronúncia, seria
restaurada: Tê, á...tá. Kê, i...Ki. Cê, cedilha...i. Táquiçi..
Eu
tenho a plena consciência da
insignificância do meu papel de pai nessa história e, enfim, de que adiantam
divagações sobre as “pronúncias pausadas na assimilação das primeiras palavras”
(definição do Aurélio para o verbo soletrar), quando o mundo exige a rapidez de
uma nova linguagem. E taí, reconheço que, o que é verdade, é que a minha
menina, antes da festa e dos badulaques na cerimônia de colação de grau, realmente,
antes de tudo, já sabia ler e escrever. E eu aqui, com as minhas preocupações atemporais
sem sentido. Admito, forçosamente, estar errado, mas num último fôlego de
resistência reitero a teima: antes, caneta Bic, só se utilizava a partir da quarta
série. Antes disso, só lápis. Só o lápis indicava o Suave Caminho...
Nenhum comentário:
Postar um comentário