Mesmo que demore que só
Nesta
edição da Feira Pan-amazônica do Livro, estou relançando “O rio do meu lugar”, coletânea
de crônicas publicada em 2013.
São 26
crônicas que só falam de Belém. Contam ‘causos’, reproduzem cenários, remontam
personagens, nichos, itinerários, sabores e odores da cidade.
(Anda
dá tempo, tá gente. Quem ainda não tem, passe lá na Feira e pegue o seu
exemplar. Tá baratinho e jeitosinho, meu livrinho.E quem já tem, chegue lá para
uma prosa).
Aí
calhou que nessa semana, dei uma relida nas crônicas do livro. Não deu outra.
Fiquei de confronte com a mais pura verdade. A Belém dos meus escritos é uma
Belém de antes, de tresontonte, do século passado, d’outro milênio. É uma Belém
que, se a gente se esforçar, pode até ter de volta, mas vai demorar que só.
De
jeito e maneira, no entanto, é uma Belém idealizada. Nananina. A Belém de
outros tempos também tinha seus problemas.
Tinha, porém,
um doce, uma singeleza. Tinha uma cumplicidade com os filhos da terra. Uma
generosidade. A Belém da minha memória nos agraciava com a mais autêntica
amizade e não era essa quentura toda que a gente vê hoje. Tinha lá seus
mormaços, mas eram bem menos ardosas as tardes, bem menos abafados os
amanheceres.
E a
gente podia zanzar pela cidade a hora que fosse sem medo algum, a não ser da
Matinta ou do Vira-porco.
Se
contar hoje ninguém acredita, mas, noite alta, trilhando pontes e saltando
alagados cansei de atravessar do cantinho mais extremo da Sacramenta para o
coração da Pedreira, e varar inteiraço em casa, sem temer e sem correr. Quantas
e tantas vezes fiz uma parada no Shangrilá pra comer um PF de carne assada com
ovo frito no óleo Jaçanã. Parava ali só pra isso mesmo, só pra matar a broca. E
por mais que maldassem a boate, pra mim era lugar de gente da mais fina estampa
e de uma cozinheira inspirada na madrugada.
Aí, o
que aconteceu é que fiquei ali refletindo sobre as histórias que conto no
livro, dos casos passados e desandei a maquinar sobre os casos presentes.
Tenho
me esforçado para manter a mesma relação com a cidade (a relação de toda uma
vida).
Meus
cantinhos e minhas interações são as mesmas. Assim como nas narrativas
distribuídas pelas 26 crônicas do livro, ainda perambulo pelo Ver-o-Peso,
visito as igrejas, acampo nas praças, bolo e rebolo por esta Pedreira querida.
Arrisco uns passos de carimbó nos arrastões juninos e sou devoto da Santa em
outubro.
Percebo
que a cidade responde voluntariosa. Sinto a intenção, compreendo a generosidade
e imagino um espírito resistente pairar por sobre os túneis de mangueira,
velando por nós. Entendo até que uma chuvinha miudinha, no final da tarde,
daquelas que vêm só pra molhar o terreiro, seja um sinal que Belém nos dá,
alertando que pode amainar o calor que deveras sentimos.
Folheando
meu livro, lendo uma crônica aqui, outra ali, no qual pega, admito que a Belém
dos meus escritos é uma Belém de antes, de tresontonte, do século passado,
d’outro milênio. É uma Belém que, se a gente se esforçar, pode até ter de
volta, mesmo que demore que só.
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