To be or not to be
A gente até pode fazer caretinhas, soltar
uns venenos críticos despeitados. Mas quando se trata de minisséries, há de se
ter cuidado com os juízos. Nessas horas, a galera do plimplim capricha.
Neste formato, a Globo acumula um feixe
admirável de competentes produções que, pelo hio ou pelo chio (para lembrar a
memorável montagem de “Grande Sertão:Veredas”) ilustraram a história da
imponente dramaturgia da emissora.
A minha preferida é “Agosto”, baseada no
Romance de Rubem Fonseca e exibida em 1993. Posso explicar esta minha queda
pela série porque acho que ela foi montada de forma a realçar a qualidade dos
atores. Zé Mayer, a partir dali fez o nome comigo (e olha que naquele tempo ele
nem era o tiozinho ‘lindo, tesão, bonito e gostosão’ preferido de dez entre dez
moçoilas assanhadas).
E foi na direção do palco, mas disparando
luz, luxúria, loucura, som e fúria para todos os lados, que a Globo apostou as
fichas para preservar a gloriosa tradição das minisséries.
Baseada na produção canadense " Slings and Arrows” a minissérie
“Som e Fúria” mira nas peculiaridades do mundo artístico. Assim, a série renova
uma experiência da emissora que, na novela Espelho Mágico, de Lauro César
Muniz, tentava mostrar o dia-a-dia de atores famosos.
Condensada numa metanarrativa acelerada,
“Som e Furia” explora a porção humana dos atores, o ‘dark side’ da fama. Aquela
faceta próxima a todos nós mortais que compete, que corrompe, que tem dívidas,
que tem ambições e por vezes, atropela a ética para conseguir os objetivos (o
‘barzinho logo mais à noite’ é o cenário para vapores, baratos e papos-cabeça
mas também, para articulações, ciumeiras e rasteiras desleais).
Por outro lado, as mumunhas que rolam em
alto relevo no meio cultural são também contempladas. A história envolve um
respeitável aparato teatral (com uma estrutura administrativa; um prédio
grandiloqüente; um quadro estável e competente de atores e um severíssimo critério
de seleção de pauta almejando sempre os clássicos) sob total ingerência do
Estado. Suscetível, portanto aos vícios da corrupção, do clientelismo e das
armadilhas do marketing de vanguarda (no caso, do estranhíssimo Santoro). Este
perfil meticulosamente organizado, a ligação com o Estado e uma (não explícita,
mas dedutível) preferência de público, dão uma descabida tonalidade elitista ao
fazer teatral (e pelo caráter promíscuo na relação com o poder e, ainda, pelo
status permitido ao alto clero da produção cultural, enseja uma narrativa que
desmascara a utilização pragmática da arte como identificou, destemidamente,
Klaus Mann em “Mefisto”).
Além da sobriedade temática, a produção se
destaca pela forma. Para modelar o recado, a Globo pescou do cinema o premiadíssimo
Fernando Meirelles. O diretor surpreende vestindo a narrativa de cores neutras
e trazendo para a telinha uma imagem áspera, de textura porosa, dispersa e
ponteada de intrigantes vazios (é como se em cada cena houvesse uma mensagem
criptografada, um obscuro segredo. Uma simbologia alertando que há algo de
podre no reino da ‘Vila da Barca’).
“Som e Fúria” traz a sofisticação do drama
Shakespeareano num discurso metalingüístico
em que a insanidade recorre a um fantasma para acudir-se dos conflitos do ser e
do não ser. Volve à luz os valores que salvaguardam a nobre missão de
interpretar, cristaliza e aproxima da gente a alma múltipla, santa e pecadora
do ator.
Mas o melhor da série é que ela resgatou
das profundezas da coxia, o esforçado Felipe Camargo e, para a minha indisfarçável
felicidade, a Zelda Scott, minha eterna musa, no papel de Andréa Beltrão. Amei.
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