Salve Rainha
Mãe de Deus, volvei para mim, teu olhar. Para
mim que vivo num pé e noutro para atravessar a baía e descalçar o coração, com
fé. Para mim, que não posso ouvir o teu hino que me dano a chorar, nem beijar a
tua imagem na folhinha do mês, nem contemplar o teu semblante gravado na minha
bolsinha de moedas, nem acariciar teu rosto desenhado na capa do livreto da
novena, que o teu amor me arde, e me lacrimeja os olhos, ó mãe clemente.
És o meu auxílio, ó dadivosa, e te procuro
debaixo deste sol das dez, mergulhado no fervor desta multidão, com tanta
esperança, que nem importa qual promessa estou a pagar.
Se foi aquela quando te vi as pupilas
agigantarem-se e descolorirem a tua íris explodindo o caleidoscópio da tua alma
em mil pedaços de dor...
(E assim, lentamente, se foi para sempre a
luz dos meus dias – Luzia – Foi assim, aos poucos, que o fogo provedor dos teus
olhos foi se apagando, que o silêncio desbotado daquela hora foi sendo, compassadamente,
transportado para além da minha compreensão. Foi então que, tragado pela
escuridão, mergulhei no mar de insuportáveis sofrimentos. E foi assim que a
minha fé fraquejou, cambaleou e largou-se às sarjetas frígidas da descrença - Eia,
pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos, a nós volvei... Até
que um dia, te encontrei novamente nos olhos graúdos de meus filhos: esperanças
e motivos para recomeçar. Encontrei novamente a vida pulsando, querendo,
voltando...Pelas ruas de outubro, de Belém, de revelações. Mamãe,
mamãe...Mãezinha do céu, eu reaprendi a rezar).
...Ou a promessa foi por aquela outra vez em
que eu caí sobre uma lata de conserva, quando eu era bem pequenininho, lá no
seringal São Miguel, na planície do rio Acre, e um talho deste tamanho quase
aparta a minha perna, e haja borra de café, pra sarar. E haja providência. E
haja rogos e pedidos.
E quantas outras promessas eu devo estar
pagando agora, ó piedosa mãe!
Sei apenas ó dulcíssima, que, agora, não é a
certeza da morte que me dói, e sim, a dúvida do desterro, da separação, da
distância, da saudade. E eu, filho exilado, te procuro na tua canção (‘Salve
Rainha, mãe de Deus, és senhora nossa mãe...’), no teu coraçãozinho de prata
guardadinho na caixa de sapatos, na tua fotografia tão nítida, que a luz do dia
me deu. Te procuro no mal secular que eu te fiz, no pouquinho de amor que eu te
dei, no muito que é o desejo de te ter perto de mim. Te procuro na tua face
serena de mãe como naquela noite em que a eternidade nos visitou...Aquela
noite... Aquele silêncio, aquele silêncio meticuloso, cruel, torturante...Que
apagou teus olhos e te levou para
sempre.
volta para mim, ó mãe, teu olhar confiante.
Que eu quero me aninhar no teu colo (como um filhinho, como um filhinho). Que a
emoção me consome quando os fogos te anunciam. Que eu quero afagar tuas mãos. (E
minhas lágrimas escorrem pelo rosto e se
espalham e somem, e orvalham desertos e hidratam fervores, levadas que são pela
brisa amiga que vem da baía). Quero que me guardes, ó misericordiosa, pois o
tempo é de conversão e te vejo chegar, pelas águas, tomada pelas dores do mundo,
no meio de gente de tanta fé.
Que eu não sei quantas vezes, nem tempos, nem
anos, ficaremos juntos, rezando para que a dor da saudade, esta saudade
sofrida, inclemente, que consome os meus dias, passe.
E depois deste desterro mostrai-me Jesus, Para que nunca mais eu me sinta tão só.
Ora pro nobis, sancta Dei Genitrix.
O clemens, O pia, O dulcis Virgo Maria.
Amém.
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