sábado, 26 de julho de 2025

crônica da semana - direção e sentido

 Direção e sentido

Na vida, por vezes temos a direção, mas nos falta o sentido.

Aconteceu de uma vez, eu me perder no mato. No exercício da profissão a gente valoriza a atenção, recorre às recomendações e treinamentos, mas pra gente se perder, ó, é daqui pra’li, num piscar de olhos. Não era área boa pra se perder não. Estávamos na margem direita do Xingu. Hoje, pesquisando imagens e mapas, fico besta de ver como aquela região se modificou. Tem cidade, vilas, ocupações, fazendas pra tudo quanto é lado. A floresta é só uma lembrança. E, nos contornos, o ambiente carrega também o trauma ocorrido em Anapu causado pela violência cometida contra irmã Dorothy. Naquele finalzinho da década de 80, entretanto, era a selva densa e soberana. Poucos andavam por ali. Minha equipe de Geologia, os técnicos da Florestal, e as turmas da Topografia se arriscavam naquele ermo. E do projeto, que eu saiba, só. Ao contrário da margem esquerda que tinha ligação com a Transamazônica e trechos mais povoados, era frente de rara movimentação. Por isso, era meia bronca se perder por lá. Não tinha rota de fuga. Mas foi o que se sucedeu.

Saímos em dois para uma jornada de mapeamento. Eu e o Geólogo da campanha. Tudo bom, tudo bem, trabalho fluindo na boa, martela uma rocha aqui, um bloco disperso, ali, sempre orientados pelo mapa e pelas marcações deixadas no eixo das picadas abertas pelos pioneiros da Topografia. Quando se deu o temido branco. Meu amigo saiu para um varador dentro da mata. Eu guardei posição. Ele considerou importante aquela rocha escondida na brenha alta e me chamou para conferir. Levantei a vista, fui no rumo dele, anotei, medi junto com ele os parâmetros do afloramento, e catalogamos o ponto. Borimbora. Mas quando! Ao erguer a vista, cadê a picada! Fizemos um reconhecimento, uma regressão, nos arriscamos uns passos além, outros atrás e nada. A mata era de uma textura só. Tudo igual. Reconhecemos: estávamos perdidos. Valeu a serenidade. Não nos afobamos. Usamos o protocolo. O procedimento ensina procurar região baixa, achar uma drenagem e seguir o caminho da água. Deu certo. Localizamos o igarapé no mapa e verificamos que em algum momento cruzaríamos com uma picada transversal ou linha base aberta pela turma da Topografia. Não foi fácil. Muitos desvios, trechos mais fundos do igarapé que evitamos, alternativas pelas partes mais altas, retorno ao leito do rio... Não tínhamos facão ou outro recurso para vencer as partes de mata mais fechadas e haja arrodeio! Quase duas horas depois, varamos em cima de um piquete. Identificamos a numeração, visualizamos no mapa. Era só traçar a caminhada de volta. Nessa hora foi fundamental saber a diferença entre direção e sentido e dar razão, estabelecer uma lógica entre um conceito e outro.

Pelo comum, a gente não faz essa diferença, digo até que a gente tem um pelo outro. Normalmente chamamos de direção o que na regra é o sentido de um caminhamento. Dizemos: ‘segue na direção que aponta teu nariz’.

O que torna é que o sentido é um componente da direção. No nosso caso, o piquete que achamos, por ser parte de um alinhamento, uma reta horizontal, representava a direção. Dali, tiraríamos o sentido que caminharíamos sobre a reta, para sair da mata. A decisão nos levaria ao nosso acampamento ou nos encerraria no fundo da floresta, perdidos, por tempo indeterminado. Se a gente pudesse ver o sol ainda próximo do horizonte, orientando o mapa, seria galho fraco. O sol não nos valeu. Então, só teríamos certeza se o sentido seria o correto, se achássemos em campo, outro piquete que estava localizado no mapa. Mais uma andada operacional.

Na vida, o mesmo acontece. Temos outras direções até. Vertical, horizontal, inclinada quase em pé, quase deitada. O sentido, não depende exclusivamente do sol. Vai da gente. Podemos seguir para cima, para o lado. E sempre atentos, para não nos quedarmos ao lado errado da história.

 

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