domingo, 20 de julho de 2025

crõnica da semana - a mensagem - 30 anos rádio cultura

 A mensagem

Lembra muito bem o dia que chegou ao garimpo. Vinha de uma jornada de mais de uma semana vencendo as corredeiras do Tapajós, os atoleiros da Transamazônica. A saudade

Sem experiência, ombreou-se ao amigo que o acompanhava na peleja. Tinham o sonho de voltar para casa ricos. Logo se adaptou, habituou-se a seguir o veio. Entendia os sinais que o ouro emanava.

Quatro anos haviam se passado e a fortuna não chegara. O amigo, depois da sétima malária, desistiu. Fez as contas, tirou o saldo e voltou pra Belém. Estava só.  Ele e seu radinho de pilha.

As ondas que chegavam ali traziam o bom dia de Edelson Moura e Márcia Ferreira; os dramalhões de Artemisa Azevedo; as historinhas infantis de tia Leninha. Era a Rádio Nacional da Amazônia aquecendo lembranças, alimentando vazios, reclamando presenças. Todas as noites, uma infinidade de mensagens ganhavam os céus a procura de silenciosos destinatários.

Tinha a esperança inabalável do garimpeiro empedernido. Porém, não menosprezava de todo, as dores do coração. À noite, colado ao seu radinho de pilha sob a cantilena monótona dos mosquitos volteando a lamparina, mordia os lábios, cerrava os olhos, entoava cantigas tristes bem baixinho, ali no fundo da rede. Ouvia com irrevogável empatia o rogo desesperado de mães para que filhos distantes, sumidos por anos e anos, voltassem pra casa.

Era irredutível. Sem o brilho amarelado do ouro no comando, permaneceria em silêncio, sofreria, viveria apenas a vida dos outros pelas ondas do rádio.

“Bom dia, Amazônia!” Pressagiavam os locutores da rádio que reverberava o otimismo pela mata naquela manhã de um Abril molhado. Desceu para o trabalho. Sem nenhum motivo explicável, tirou todo o maquinário do canal pedregoso, fez um corte no barranco mais acima, liso e instável. Esperou que uma boa quantidade de terra se deslocasse e daí em diante, ligou os equipamentos para explorar aquele cerqueiro. Passou o dia todo tratando aquela areia fina e enferrujada da margem.

À noite, cumpriu o rito. Lamparina, mosquitos, ouvido colado ao radinho, empatia. Num repente, foi tomado por uma instabilidade incontrolável. Uma alegria-tristeza tórrida, destruidora. Pelas ondas do rádio, uma mensagem de sua mãe chegava ao seu coração.

Adormeceu e sonhou que, animado por um “Bom dia, Amazônia”, ao despescar a mesa concentradora da “cobra fumando”, explodia de felicidade. Nunca tinha visto tanto ouro na vida.

Ficou rico no sonho. Fez as contas, tirou o saldo. Era hora de voltar pra casa.

 

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