Como por encanto (Leonel)
Mas
deixa que bati, virei e mexi atrás dessa foto. Buli, vasculhei caixas, pastas,
postagens nas redes sociais e nada. Desanimei, creditei a perda aos cupins que
sempre dão uma blitz na minha trajetória de acumulador.
Acontece
que tive uma surpresa deste tamanho agora por esses dias. A foto apareceu em um
dos arquivos recentes que montei no computador. Trata-se de uma composição de
acervo listando registros antigos que me servem para ilustrar as publicações
que venho fazendo de crônicas pautadas em passagens que tive pelos estirões
amazônicos. Ao repassar o acervo, foi como por encanto. A foto apareceu
misturada a outras que eu havia resgatado de uma pasta com material
digitalizado. Isso quer dizer que a foto em papel, realmente não existe mais
(os cupins? Ou um desapego distraído?).
Na
foto, está Leonel e, em destaque, ao lado dele, um bloco de rocha exibindo figuras
desenhadas pelos povos primitivos que habitavam aquela região do Xingu.
Eu
tinha porque tinha que achar este registro porque temo que seja a única imagem
retratando as pinturas rupestres disseminadas em pontais e ilhotas encravadas
no trecho encachoeirado do baixo Xingu.
Explorei
o local com o Leonel. Estávamos acampados rio abaixo e numa tarde de folga no
domingo, nos abalamos até aquele local. Tínhamos notícias das inscrições nas
pedras. Decidimos conhecer o sítio arqueológico de palmo em cima. E foi tudo
muito espetacular. Deslumbrante. Era época que o Xingu ainda tinha uma carga
boa de vazão e aqui, ali, as barreiras de pedra formavam quedas d’água fascinantes.
Aportamos em uma prainha. Nos surpreendemos com tantas artes nas pedras, tantas
figuras e símbolos diferentes. Não éramos especialistas, mas dava pra identificar
uma rica estrutura de comunicação representada nas inscrições. Naquela hora,
entendi a importância do sítio e me bateu a inquietação sobre o destino daquele
conjunto arqueológico, já que as obras da barragem estavam chegando. Hoje me
pergunto: o que aconteceu com aquela herança cultural? Não achei trabalho
publicado sobre, exatamente, esta acumulação de rochas grafadas. Nem imagens
nem nada. Este fato dá valor à foto que guardei e que mostra o Leonel ao lado
de um bloco bastante representativo, de desenhos nítidos. Pode ser um
testemunho raro. Ainda bem que achei a foto. Meu coração ficou mais aliviado.
Era
um lugar de difícil acesso. Só fui até lá porque o Leonel estava à frente da
aventura. Fomos de canoa a remo e ele era nosso melhor remador e exímio
navegador. Sabia das correntes, dos remansos, dos pedrais e de coisas outras
que não captávamos.
Leonel
era um encantado. Trabalhava na empresa com a gente, mas naquela época, se
formos comparar, seria uma espécie de consultor. Só ia pra campo em situações
especiais. O resto do tempo, operava em um primitivo home office.
Era
cultuado porque não recebia missões comuns. Atuava achando pontos distantes que
ninguém achava, prevendo cenários em segmentos desconhecidos dos rios ou dos
morros, e resolvendo problemas delicados com os encantados da floresta.
Conversava com as árvores, se aconselhava com os animais, fazia acordo com o
Curupira e com a Iara, quando a gente precisava caçar ou pescar. Era o primeiro
voluntário a se apresentar nas comissões de busca quando alguém se perdia na
mata. Ficou famoso no caso de um
trabalhador nosso que ficou 15 dias perdido. Leonel foi atrás. Descia o ouvido
até o chão, ouvia o coração da floresta. Virava vento, virava luz, água e
frutos silvestres para alimentar o perdido. Por fim, se transformou em um
coelho branco reluzente e indicou o caminho ao trabalhador até ele ser
resgatado em uma fazenda da região, na noite do décimo quinto dia.
Subi
o rio para conhecer o sítio arqueológico porque fui sob os cuidados e acordos
do Leonel. Calhou, esses dias, d’eu achar o registro desse momento incrível.
Por encanto.
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