sábado, 19 de julho de 2025

crônica da semana - Leonel

 Como por encanto (Leonel)

Mas deixa que bati, virei e mexi atrás dessa foto. Buli, vasculhei caixas, pastas, postagens nas redes sociais e nada. Desanimei, creditei a perda aos cupins que sempre dão uma blitz na minha trajetória de acumulador.

Acontece que tive uma surpresa deste tamanho agora por esses dias. A foto apareceu em um dos arquivos recentes que montei no computador. Trata-se de uma composição de acervo listando registros antigos que me servem para ilustrar as publicações que venho fazendo de crônicas pautadas em passagens que tive pelos estirões amazônicos. Ao repassar o acervo, foi como por encanto. A foto apareceu misturada a outras que eu havia resgatado de uma pasta com material digitalizado. Isso quer dizer que a foto em papel, realmente não existe mais (os cupins? Ou um desapego distraído?).

Na foto, está Leonel e, em destaque, ao lado dele, um bloco de rocha exibindo figuras desenhadas pelos povos primitivos que habitavam aquela região do Xingu.

Eu tinha porque tinha que achar este registro porque temo que seja a única imagem retratando as pinturas rupestres disseminadas em pontais e ilhotas encravadas no trecho encachoeirado do baixo Xingu.

Explorei o local com o Leonel. Estávamos acampados rio abaixo e numa tarde de folga no domingo, nos abalamos até aquele local. Tínhamos notícias das inscrições nas pedras. Decidimos conhecer o sítio arqueológico de palmo em cima. E foi tudo muito espetacular. Deslumbrante. Era época que o Xingu ainda tinha uma carga boa de vazão e aqui, ali, as barreiras de pedra formavam quedas d’água fascinantes. Aportamos em uma prainha. Nos surpreendemos com tantas artes nas pedras, tantas figuras e símbolos diferentes. Não éramos especialistas, mas dava pra identificar uma rica estrutura de comunicação representada nas inscrições. Naquela hora, entendi a importância do sítio e me bateu a inquietação sobre o destino daquele conjunto arqueológico, já que as obras da barragem estavam chegando. Hoje me pergunto: o que aconteceu com aquela herança cultural? Não achei trabalho publicado sobre, exatamente, esta acumulação de rochas grafadas. Nem imagens nem nada. Este fato dá valor à foto que guardei e que mostra o Leonel ao lado de um bloco bastante representativo, de desenhos nítidos. Pode ser um testemunho raro. Ainda bem que achei a foto. Meu coração ficou mais aliviado.

Era um lugar de difícil acesso. Só fui até lá porque o Leonel estava à frente da aventura. Fomos de canoa a remo e ele era nosso melhor remador e exímio navegador. Sabia das correntes, dos remansos, dos pedrais e de coisas outras que não captávamos.

Leonel era um encantado. Trabalhava na empresa com a gente, mas naquela época, se formos comparar, seria uma espécie de consultor. Só ia pra campo em situações especiais. O resto do tempo, operava em um primitivo home office.

Era cultuado porque não recebia missões comuns. Atuava achando pontos distantes que ninguém achava, prevendo cenários em segmentos desconhecidos dos rios ou dos morros, e resolvendo problemas delicados com os encantados da floresta. Conversava com as árvores, se aconselhava com os animais, fazia acordo com o Curupira e com a Iara, quando a gente precisava caçar ou pescar. Era o primeiro voluntário a se apresentar nas comissões de busca quando alguém se perdia na mata.  Ficou famoso no caso de um trabalhador nosso que ficou 15 dias perdido. Leonel foi atrás. Descia o ouvido até o chão, ouvia o coração da floresta. Virava vento, virava luz, água e frutos silvestres para alimentar o perdido. Por fim, se transformou em um coelho branco reluzente e indicou o caminho ao trabalhador até ele ser resgatado em uma fazenda da região, na noite do décimo quinto dia.

Subi o rio para conhecer o sítio arqueológico porque fui sob os cuidados e acordos do Leonel. Calhou, esses dias, d’eu achar o registro desse momento incrível. Por encanto.

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