sábado, 10 de agosto de 2019

crônica da semana - o Mapuche


O Mapuche e a carapanã
Contei aqui, anos atrás, um fato que me fazia refletir pacas sobre o estado das coisas e da vida, quando estava em Rondônia. Parecia uma coisa. Tinha um acampamento que ficava às proximidades de Ariquemes. Passava a semana lá. Mas era batata. O geólogo que acampava comigo, chegava no barraco, atava a rede do lado da minha. Passava dois, três dias, bem que era uma beleza. Antes de completar a semana descia para a cidade com malária. Eu ficava. Ele fazia o tratamento, cumpria a desobriga. Tomava o vitaminé e voltava. Atava a rede do meu lado. Mais com pouco, lá s’stava o pequeno tremendo de malária de novo. Nessa batidinha, pegou umas cinco febres, salteadas entre a falciparum e a Vivax. Não aguentou o baque, saiu da empresa e procurou melhoras. E eu lá, na minha redinha, imune. E me pergutando por quê.
Dormia ao lado do camarada, dividíamos o mesmo espaço. Ele pegava malária, eu não. Era o próprio ser de luz, o escolhido, um santo dos ermos rondonienses. Tudo podia naquele que me fortalecia.
Ou, mirando pros lados da minha composição biológica, me entendia como um super organismo que desafiava a eficiência do anofilis, bloqueva as investidas nocivas do Plasmodium, continha as crises de frio, febre e alucinações. Eu só podia ter um açúcar qualquer que me protegia da sezão. Ainda mais em Ariquemes, que à época era a capital mundial da malária. Tinha 100 mil habitantes e 300 mil casos por ano. Se meu amigo geólogo não tivesse um chama para o impaludismo, a conta dividida bem divididinha, daria três malárias para cada habitante.
A visita que fiz às montanhas do Chile, este ano, me convenceu da ocorrência de mutações benéficas que acontecem na gente e que nos livram da malária e da falta de suspiração.
Além de três mil metros de altitude, no muito alto das montanhas, o corpo humano sente os efeitos do ar pouco servido de oxigênio. A concentração de oxigênio, em grande parte da Terra é de 21%. Lá em cima, nos Andes, cai para perto de 12%. Nessas condições, o Mal da Montanha pode matar um ser humano. A falta de oxigênio derruba quem não está preparado.
Fiquei abismado quando desembarcamos numa cidade próxima à estação de inverno, situada a quase 3.500m de altitude. No caminho para o restaurante, reparei as crianças brincando na rua em carreiras desenfreadas, moradores nos cuidados diários, trabalhadores de uma construção mais adiante, estudantes no caminho da escola. Tudo acontecendo na maior normalidade. Temperatura abaixo de zero. Enquanto fazia minhas observações, comecei a sentir um troço estranho. Uma tonteira, uns passamentos, vista turvando, respiração truncada. Mãos congelando. Mais que depressa procurei o abrigo no quentinho do restaurante. A altitude e o frio estavam me derrubando.
É certo que as pessoas daquela cidade, têm uma constituição biologia diferente da minha. Desenvolveram uma mutação que lhes permite viver naquele lugar inóspito, do jeito que eu vivia no meu acampamento em Rondônia, adaptado, aninhado aos livramentos da Evolução.
Pelo que se torna, um índio Mapuche se viesse ter conosco, não resistiria a uma ferroada de carapanã; e assim, pelo que se deixa, eu me quedarei aos chiliquitos toda vez que subir às montanhas.
São essas fragilidades entre iguais, essas diferenças entre os fortes, que me fazem refletir pacas sobre o estado das coisas e da vida.


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