O
Mapuche e a carapanã
Contei
aqui, anos atrás, um fato que me fazia refletir pacas sobre o estado das coisas
e da vida, quando estava em Rondônia. Parecia uma coisa. Tinha um acampamento
que ficava às proximidades de Ariquemes. Passava a semana lá. Mas era batata. O
geólogo que acampava comigo, chegava no barraco, atava a rede do lado da minha.
Passava dois, três dias, bem que era uma beleza. Antes de completar a semana
descia para a cidade com malária. Eu ficava. Ele fazia o tratamento, cumpria a
desobriga. Tomava o vitaminé e voltava. Atava a rede do meu lado. Mais com
pouco, lá s’stava o pequeno tremendo de malária de novo. Nessa batidinha, pegou
umas cinco febres, salteadas entre a falciparum e a Vivax. Não aguentou o
baque, saiu da empresa e procurou melhoras. E eu lá, na minha redinha, imune. E
me pergutando por quê.
Dormia
ao lado do camarada, dividíamos o mesmo espaço. Ele pegava malária, eu não. Era
o próprio ser de luz, o escolhido, um santo dos ermos rondonienses. Tudo podia
naquele que me fortalecia.
Ou,
mirando pros lados da minha composição biológica, me entendia como um super organismo
que desafiava a eficiência do anofilis, bloqueva as investidas nocivas do
Plasmodium, continha as crises de frio, febre e alucinações. Eu só podia ter um
açúcar qualquer que me protegia da sezão. Ainda mais em Ariquemes, que à época
era a capital mundial da malária. Tinha 100 mil habitantes e 300 mil casos por
ano. Se meu amigo geólogo não tivesse um chama para o impaludismo, a conta dividida
bem divididinha, daria três malárias para cada habitante.
A visita
que fiz às montanhas do Chile, este ano, me convenceu da ocorrência de mutações
benéficas que acontecem na gente e que nos livram da malária e da falta de
suspiração.
Além
de três mil metros de altitude, no muito alto das montanhas, o corpo humano
sente os efeitos do ar pouco servido de oxigênio. A concentração de oxigênio, em
grande parte da Terra é de 21%. Lá em cima, nos Andes, cai para perto de 12%.
Nessas condições, o Mal da Montanha pode matar um ser humano. A falta de
oxigênio derruba quem não está preparado.
Fiquei
abismado quando desembarcamos numa cidade próxima à estação de inverno, situada
a quase 3.500m de altitude. No caminho para o restaurante, reparei as crianças
brincando na rua em carreiras desenfreadas, moradores nos cuidados diários,
trabalhadores de uma construção mais adiante, estudantes no caminho da escola.
Tudo acontecendo na maior normalidade. Temperatura abaixo de zero. Enquanto
fazia minhas observações, comecei a sentir um troço estranho. Uma tonteira, uns
passamentos, vista turvando, respiração truncada. Mãos congelando. Mais que
depressa procurei o abrigo no quentinho do restaurante. A altitude e o frio
estavam me derrubando.
É
certo que as pessoas daquela cidade, têm uma constituição biologia diferente da
minha. Desenvolveram uma mutação que lhes permite viver naquele lugar inóspito,
do jeito que eu vivia no meu acampamento em Rondônia, adaptado, aninhado aos
livramentos da Evolução.
Pelo
que se torna, um índio Mapuche se viesse ter conosco, não resistiria a uma
ferroada de carapanã; e assim, pelo que se deixa, eu me quedarei aos chiliquitos
toda vez que subir às montanhas.
São
essas fragilidades entre iguais, essas diferenças entre os fortes, que me fazem
refletir pacas sobre o estado das coisas e da vida.
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