sábado, 31 de agosto de 2019

crônica da semana - página em branco


Página em branco
Hoje e amanhã vou pintar lá no Estande dos Escritores Paraenses, na Feira do Livro. Este ano, faço o relançamento de “Corrente”. Devo adicionar que a reimpressão é uma homenagem ao professor Hélio Santos. Com o texto de Hélio, na capa do livro, reafirmo este elo da corrente que o professor representa. E que me garante ter fé nas pessoas.
A participação na Feira é o momento que o fazer literário ganha evidência, e as indagações, as dúvidas nos chegam imprevidentes. Falando por mim, me impõem reflexões.
Fiz uma divulgação do relançamento de “Corrente”, nas redes sociais. Um dos convidados me voltou perguntando do que trata o livro.
Poderia responder com a velha fórmula. Identificando meu gênero como crônica, citando Antônio Cândido, dando as características do texto, um relato sobre meu jeito de criar e as consequências do estilo. Mas antes de responder, arriou sobre mim outro fato envolvendo a arte literária.
Dia desses, fui marcado numa postagem que anunciava a adaptação do Romance “Cem anos de solidão” para o cinema. Uma notícia espetacular já que sou vidrado nesta obra de Gabriel García Márquez. Curti a postagem. Qual não foi a minha surpresa, quando resolvi dar uma olhada nos comentários. Uma galera detonou a obra. Fiz uma análise estatística e percebi que o motivo mais volumoso da aversão pela obra era o fato daqueles críticos “não entenderem nada do livro”. Havia queixumes, indagações. Mas a maioria mesmo dizia não entender a história.
Fiquei num pé e noutro tentando achar argumentos que validem não só a leitura da obra colossal de García Márquez, mas também valorizem as vastas produções literárias que nos rogam atenção (a minha inclusive, lembram? Relançamento de ‘Corrente’ daqui a pouco na Feira Panamazônica do Livro). Fucei, forcejei. Catei impressões de minha filha, que tem o nome, Amaranta, saído das páginas de “Cem anos de solidão”.
É preciso entender um livro? Emendo logo nas reflexões sobre: escrever é caminhar por veredas juncadas de vida. É a arte se realizando nos dizeres perenes. Nos símbolos enlevados. Em significantes arrebatados. O escrito não existe, em verdade. Só tem algum sentido quando alguém, não necessariamente o entenda, mas generosamente, interaja com ele. Engravidar uma página em branco é pedir companhia. É partilhar audácias, medos e metáforas. É desapegar-se de credos apaziaguados ou de vilanias inclementes. Escrever, antes de tudo, é um ato humano.  Semear palavras no papel em branco é acreditar em humanidades possíveis dentro da gente.
Já vi criança folhear um livro inteiro, só vendo as figuras. Sem procurar entender os segredos ou as abstrações prometidas pela lógica das letras. Então, dentro do livro se revelam também, além dos sentimentos, a linguagem, o estilo, a poética, o ritmo, o jeito e a cor das palavras; partes concretas da narrativa que nos estimulam a simpatia. Fora isso tudo, conta-se também a criatividade. Em “Cem anos de solidão”, García Márquez semeia as páginas em branco com dezenas de personagens, cada um com o seu cada qual, cada um com seu destino, com sua história. Isso é pra lá de genial. (Vou eu tentar... Quem me dera!).
Para quem detonou o Romance vencedor do Nobel de Literatura de 1982, aconselho voltar a ele, folhear, forcejar.
Outros que se dispõem à interação generosa com um livro, vos espero encontrar logo mais lá no Hangar, para descobrirmos do que trata meu livro.
                                                                                                   






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