Página
em branco
Hoje
e amanhã vou pintar lá no Estande dos Escritores Paraenses, na Feira do Livro.
Este ano, faço o relançamento de “Corrente”. Devo adicionar que a reimpressão é
uma homenagem ao professor Hélio Santos. Com o texto de Hélio, na capa do livro,
reafirmo este elo da corrente que o professor representa. E que me garante ter
fé nas pessoas.
A
participação na Feira é o momento que o fazer literário ganha evidência, e as
indagações, as dúvidas nos chegam imprevidentes. Falando por mim, me impõem
reflexões.
Fiz
uma divulgação do relançamento de “Corrente”, nas redes sociais. Um dos
convidados me voltou perguntando do que trata o livro.
Poderia
responder com a velha fórmula. Identificando meu gênero como crônica, citando
Antônio Cândido, dando as características do texto, um relato sobre meu jeito
de criar e as consequências do estilo. Mas antes de responder, arriou sobre mim
outro fato envolvendo a arte literária.
Dia
desses, fui marcado numa postagem que anunciava a adaptação do Romance “Cem
anos de solidão” para o cinema. Uma notícia espetacular já que sou vidrado
nesta obra de Gabriel García Márquez. Curti a postagem. Qual não foi a minha
surpresa, quando resolvi dar uma olhada nos comentários. Uma galera detonou a
obra. Fiz uma análise estatística e percebi que o motivo mais volumoso da aversão
pela obra era o fato daqueles críticos “não entenderem nada do livro”. Havia
queixumes, indagações. Mas a maioria mesmo dizia não entender a história.
Fiquei
num pé e noutro tentando achar argumentos que validem não só a leitura da obra
colossal de García Márquez, mas também valorizem as vastas produções literárias
que nos rogam atenção (a minha inclusive, lembram? Relançamento de ‘Corrente’
daqui a pouco na Feira Panamazônica do Livro). Fucei, forcejei. Catei
impressões de minha filha, que tem o nome, Amaranta, saído das páginas de “Cem
anos de solidão”.
É
preciso entender um livro? Emendo logo nas reflexões sobre: escrever é caminhar
por veredas juncadas de vida. É a arte se realizando nos dizeres perenes. Nos
símbolos enlevados. Em significantes arrebatados. O escrito não existe, em
verdade. Só tem algum sentido quando alguém, não necessariamente o entenda, mas
generosamente, interaja com ele. Engravidar uma página em branco é pedir
companhia. É partilhar audácias, medos e metáforas. É desapegar-se de credos
apaziaguados ou de vilanias inclementes. Escrever, antes de tudo, é um ato
humano. Semear palavras no papel em
branco é acreditar em humanidades possíveis dentro da gente.
Já
vi criança folhear um livro inteiro, só vendo as figuras. Sem procurar entender
os segredos ou as abstrações prometidas pela lógica das letras. Então, dentro
do livro se revelam também, além dos sentimentos, a linguagem, o estilo, a
poética, o ritmo, o jeito e a cor das palavras; partes concretas da narrativa
que nos estimulam a simpatia. Fora isso tudo, conta-se também a criatividade.
Em “Cem anos de solidão”, García Márquez semeia as páginas em branco com
dezenas de personagens, cada um com o seu cada qual, cada um com seu destino,
com sua história. Isso é pra lá de genial. (Vou eu tentar... Quem me dera!).
Para
quem detonou o Romance vencedor do Nobel de Literatura de 1982, aconselho
voltar a ele, folhear, forcejar.
Outros
que se dispõem à interação generosa com um livro, vos espero encontrar logo
mais lá no Hangar, para descobrirmos do que trata meu livro.
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