Oração
pela famíla
Há
muitos anos, acompanhei um documentário produzido pela BBC sobre comportamento
humano. Duas expressões culturais (ou naturais, instintivas?) me deixaram
bestinha da Silva. Uma demonstrava o ritmo universal da canção de ninar.
Segundo a reportagem, a gente quando pega uma criança nos braços e canta uma
canção qualquer, faz um balancinho no bebê, que tem o mesmo compasso em todo
mundo conhecido. Nem aquém, nem além. É um nananeném do mesmo jeitinho aqui nas
baixadas da Pedreira; lá acolá, nos ermos andinos ou além mar, no velho mundo.
Uma
outra, que parece óbvia, mas não é, diz da capacidade que o ser humano tem de
se organizar em família. Um núcleo social que envolve cuidados, cumplicidades,
perspectivas, compromissos mútuos. Para esta manifestação da organização
comunitária, a matéria deu ênfase ao grupo formado por pais, filhos, agregados por
afinidade e comparou.
Grupos
vastos de animais, logo abandonam as crias. Um cavalo, quando nasce, já sai
andando e procurando o que fazer. Grupos outros acolhem o filhote, zelam pela
segurança, dão de comer até que a cria ganhe independência e lute pela própria
sobrevivência. A fragilidade dos recém-chegados exige a atenção dos pais e da
própria comunidade. Os seres humanos fazem parte deste mundo de zelos e
cuidados. E vão além. Fortalecem laços afetivos, partilham interesses que
extrapolam a satisfação de necessidades básicas. Produzem riquezas de
compreensões e posses. Dividem sonhos, ombreiam-se na caminhada. O que
conhecemos, hoje em vários formatos, diga-se, e em composições diversas,
traduzimos socialmente como família. É do seio da família que brotamos,
ganhamos o mundo e procuramos o que fazer para tornar a vida possível.
A
modelagem da família se altera, mas o objetivo é sempre o mesmo. Ser feliz é o
horizonte perseguido.
Na
minha trajetória, as mazelas historicamente reproduzidas no Brasil, não me
deram ter tanta relação com famílias de composição tradicional. Pai, mãe e
filhos formam uma parcela bem reduzida das minhas relações. Agora, tenho
próximo de mim, mina de gente que veio de lar encabeçado somente por mãe, ou
apenas pelo pai.
E
de composição farta. E de ganho pouco. E de tropeços pelo caminho.
Minha
família pode ser o exemplo. Mamãe sozinha assegurou o futuro de quatro pequenos.
Pelas minhas varações na Sacramenta topei com pessoas humildes, vencendo os
dias com pouco mais de um salário e sustentando proles de até oitos crianças.
Certa ocasião, na Everdosa, me afeiçoei de uma família e apadrinhei de coração
o décimo segundo filho daquela heroína. Eu que vinha de fora, tinha até
dificuldade de decorar o nome de todos.
Agora,
nessa semana que passou, presenciei a confraternização de uma família cujo
esteio era o pai. Sete irmãos. Todos já orbitando os cinqüenta, cheios de
histórias. Digerindo pequenas faltas, reparando erros. Mas ao fim, juntos. Contabilizando,
após os anos passados sob os cuidados do pai, os talentos, as vitórias.
Eu
me passo quando essas ligações da estrutura familiar vingam inquebrantáveis.
Ainda mais agora, nesses dias tensos que vivemos, e que nos deparamos com
famílias esbandalhadas em perfis morais, esmigalhadas em vieses ideológicos.
Quem consegue ficar junto é herói.
É
bonito ver essas ligações invioláveis. E tão bonito, que merece até uma construção
mais ousada, preposicionada! “É bonito de ver”.
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