Igarapé
Piscina
Agora
digue lá se, só de saber o nome deste igarapé, não vem logo uma vontade de dar
um tibêi. Ainda mais com este calor de estoporar que está fazendo às três horas
da agonia e da tarde, em Belém. Éraste, chega dá pra imaginar. É só fechar os
olhos...
A
trilha saía da estrada, ia beirando um campo árido. Depois de um desvio, onde
tinha um imenso tronco caído, o caminho se misturava a uma vareda varrida
dentro de uma grande área de cacau plantado. Até chegar na mata alta, era um
estirão calorento. Adiante, a mudança de temperatura era o sinal de que
estávamos chegando à floresta de vera. Começava a forra. Uma frescura generosa
se espalhava por entre as árvores. A vegetação era mais robusta, e mais densa. A
picada não era muito usada. Em alguns pontos se fechava e se a gente não
cuidasse, de repente, se perdia. Por isso, depois de uma caminhada guardando
referências que ainda podíamos identificar, cortávamos logo para o igarapé.
Nas
palavras mais aquelas de técnicas e aplicadas, caminhávamos pelo interflúvio.
Que, traduzindo, é aquele cocuroto de terra mais alto, que divide duas
nascentes ou separa dois leitos paralelos de rios ou igarapés.
(sabe
aquele dia que a gente amanhece com a impressão de ter pegado uma surra com um
feixe massudo de vara de goiabeira? E de ter ficado com o corpo quente, com o
peito e os olhos empapuçados de engolir choro, com as mãos tremendo do nervoso
que dá na gente nessas horas? Imagine aquela sensação de ter apanhado uma coça
de se ver de dor por tudo quanto é lado e de tudo quanto é jeito. Dor concreta,
padecimento abstrato, pesar diluído em revolta; mal indiscreto, dordolho, dor
de saudade, dor física de um peso nos ombros de a gente não aguentar, dor de
verdades indesejadas, de desejos impossíveis, dor de frustrações com a
humanidade, lágrimas de guerra, agonia de causas perdidas em fendas profundas
de obscuridade e intolerância. Dor de tristezas e desesperanças. Dor de cabeça
se desfazendo em líquido pesado e viscoso. Esta semana que, ora se vai, começou
com um sentimento, ou até com alguns sintomas de um esmigalhamento. Uma
quebradeira parecendo até maleita da braba, enternecimento com poder de
quebrantar. De empalidecer.
Mas
eu resisti. Bati, virei, mexi, tornei e fui sarar a cuca com as lembranças
refrescantes do igarapé Piscina).
Daqui
deste calorão de Belém, só dá pra imaginar mesmo. O igarapé Piscina corre em
terras rondonienses, longe pacas. Era alvo das minhas atenções, quando
trabalhei na região de Ariquemes.
Ganhou
este nome porque, no meio curso, era barrado por uma raiz de Samaúma que não
tinha termo de tão grande. Uma teba. Atravessava o igarapé, freava o fluxo de
água no leito e formava um poço de água azulzinha, com mais de metro de
profundidade. Uma maravilha! Água azul-piscina.
A
área constava da minha quadrícula de operação. Vasculhava os quatro cantos
coletando sedimentos, mapeando afluentes, pesquisando. Perto de voltar para o
acampamento, dava um jeito sempre de cruzar com o Piscina. E dar uns mergulhos
naquele metro e pouco de água azul.
Enquanto
a gente banhava no igarapé, a turma exagerava no extraordinário das histórias.
Uma delas dizia que a Samaúma que emprestava a raiz para formar o poço azul era
tão grande que consumia um dia e uns carocinhos de horas ainda, além, para que
uma pessoa completasse uma volta em torno dela. De bicicleta! Agora digue lá.
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