Saudade
longe
A
crônica de hoje se destina a revelar minha saudade. Saudade longe de Antônio.
Certo
dia, aprendi o significado da saudade perto. O poeta, num momento inspirado,
definiu ser aquela saudade que a gente pode vencer. É aquela que a gente, com
um pequeno esforço, resolve logo a parada.
Meu
coração pressionado pela dor, hoje tem que falar da saudade longe. Aquela que é
implacável. Irremediável. Aquela que não se tira e não se arreda da gente tão
fácil, aquela que se inclina às angústias do tempo.
Nesta
crônica, declino das prosas inventadas, e me imponho registrar, quedado à
saudade, um pouco do cristal lapidado que foi Antônio Francisco.
Conheci
Toninho em meados de 1982, na final do Festival de Música da Escola Salesiana
do Trabalho. Estava ali naquela noite, liderando o Grupo Hera da Terra que era
batido e cravado como um dos favoritos para vencer aquele festival.
Antes
disso, só ouvia falar dele. Era considerado na Sacramenta.
O
Hera não ganhou o primeiro lugar, mas eu ganhei a presença de Toninho na minha
vida. O festival nos aproximou.
Dali
em diante, foi só encantamento. Primeiro com a poesia que Antônio fazia. Tinha
uma estética centrada na liberdade textual. Emoldurava de dramaticidade cada
linha escrita. Ao mesmo tempo apaziguava corações com palavras doces e versos
cheios de esperança. Cantava a Amazônia. Amava a Amazônia.
A
música nos possibilitou a intimidade. Adiante, conheci o homem, o pai de
família, o trabalhador. Um ser abundante, generoso. Tinhas asas maiores que as
asas do maior dos condores. E sob elas, abrigou uma legião de amigos. Eu era um
deles. Quantas vezes, chegando de viagem, encontrei um prato de comida e um
lugar para dormir, na cada de Antônio. Quantos fomos nós a ter as noites
passadas no sofá da sala, sentados no chão, procurando uma beirinha na janela,
para participar das reuniões musicais que o Antônio fazia na casa dele. Era o
lar de todos. Gerações de compositores, artistas visuais, poetas, atores, militantes
culturais foram inspiradas em Toninho.
Politicamente
era um cidadão fiel às suas idéias. Chegou a cursar Ciências Sociais. E da
Academia, trouxe um discurso refinado. Teoria retrabalhada às práticas que ele
já desenvolvia na Sacramenta, no calor das lutas populares.
Antônio
Francisco foi fundamental para a cultura que se realizou durante muito tempo no
eixo Sacramenta-Pedreira. Esta afirmação sou eu que faço, porque Toninho, nunca
quis esta reverência. Atuou sempre na articulação, mas raramente ocupou o
centro do palco (Embora, se recorrêssemos à Teoria da Relatividade veríamos
claramente este movimento sendo invertido. O palco é que orbitava Antônio
Francisco).
O
nosso último encontro se deu pelas graças da saudade perto. Deu na telha e
fomos ter com ele, num almoço animado e cheio de música. Havia em mim, uma fome
de Antônio, naquele dia. Não tirava os olhos dele. Fazia perguntas, pedia que
tocasse, cantasse canções próprias. Sentia o magnetismo dele me mundiando.
Entreguei-me a um transe, que nem era novidade para mim. Fazia parte daqueles
encantamentos que ele me proporcionava desde o dito ano de 1982.
Hoje,
faz uma semana que Antônio partiu. “Nunca mais aquela saudade tão perto”. A
nós, seus amigos, nos deixou um legado largo, estendido, sedimentado nos versos
de vida diários... E a saudade longe.
Aquela,
que não se tira e não se arreda da gente. Aquela que se inclina implacável às dores
da alma.
Belíssima crônica, meu amigo. Dorida saudade de todos nós.
ResponderExcluirSodré tua crônica é bela. Revela Antônio para os seus e pra quem não o conheceu. Essa saudade de longe, como diz a música, me rói.
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