TCC
em Beja
Estava
decidido. A praia de Beja, em Abaetetuba, seria o cenário de meus estudos. O
objetivo era reproduzir, ou pelo menos, induzir as pessoas a imaginar fenômenos
grandiosos se realizando ali na nossa frente, possíveis aos nossos sentidos.
Meu TCC teria um caráter educativo, com viés lúdico, permeado de ciências que
estimulassem a criatividade, a abstração, o entendimento e a intimidade com os
casos geológicos mais radicais. Seria como se os acontecimentos naturais que
ocorrem em escala planetária, se mostrassem todos, na integridade dos seus
detalhes mais sublimes, ali, na praia de Beja.
Faz
tempo que não vou lá, mas, tirando os vagos da lembrança, podemos tomar a
igreja como referência. Saindo dela, um caminho ia dar na praia. O meu trabalho
se desenvolveria neste trecho. À época, era marcado por um barranco capeado de
pedras vermelhas e duras, no topo. Depois o caminho se harmonizava em baixa
inclinação, e ao final, antes de chegar na praia, se ramificava em desvios
sulcados, discretas rachaduras entrelaçadas. Este desenho, em pequena escala,
imitava certinho o percurso que o rio Amazonas faz desde a nascente até a foz.
Lá em cima, perto da igreja, seria a cordilheira dos Andes, de onde o Amazonas
despenca com muita energia, escavando as rochas em vales encaixados e
profundos. Em Beja, a coleta de água do grande telhado da igreja, fluindo das
biqueiras, adicionada a outras contribuições das casas próximas, formava um
grande rego que ia cortando a laterita, barranco abaixo. Escritinho o Amazonas lá
pras bandas das montanhas. Água de tanto bater, vai furando as rochas e o
Amazonas quando se deita sobre a floresta já traz uma imensidão de detritos,
areias, argilas, cascalhos retirados do maciço andino e chega ao Brasil
embarreado e batizado de Solimões. Essa transformação a gente vê também, no
aplainado ao pé do barranco, em Beja. Forma-se nessa área uma região de pouca
queda e a gente percebe, além do fluxo constante, mas de pouca velocidade, a
formação de pequenas poças toldadas, margens com acumulações de areia; em
outros cantos, concentração de pedras maiores, sem muita força para seguir
viagem. Aí a gente fecha os olhos e se convence de um grande ‘pra dizer’. Pra
dizer que ali é a nossa encantadora planície!
O
fim de todo o rio é o mar. E este é mais um ambiente que meu trabalho
procuraria traduzir. Ao final da nossa liliputiana planície, surgiria a praia.
Um grande final para um enredo líquido. A água da biqueira da igreja, após
alguns minutos de viagem chegaria à baía do Capim e entregaria envaidecida a ela,
nossa breve história da Terra. Assim como o Amazonas, soberano, entrega ao mar,
partículas sólidas de nossas vidas ribeirinhas.
Quando
abandonei o curso de Geologia, há dez anos, estava cursando uma disciplina que
fala sobre essa dinâmica de rios e corações. Durante as aulas, decidi sobre o
meu TCC. Tinha a intenção de trazer o fascínio da Geologia para mais perto das
gentes. Se meu TCC tivesse vingado, por certo, nesta semana em que se comemora
o dia do Geólogo, eu me sentiria um cara realizado pacas e tomaria todas.
Como sempre,um belo texto. Parabéns, Sodré. Saudações Geológicas.
ResponderExcluirBela analogia!
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