sexta-feira, 8 de junho de 2018

crônica da semana - Brasillll


Brasil Raimundo, rimas e soluções
Fui um moleque de rua. Topava qualquer brincadeira, me metia em todos os jogos, porfias e competições. Mas a única modalidade que eu me dava bem mesmo era no futebol.
Teimava. Fazia número nas outras. Fura-fura, eu só jogava o estilo neném e vivia pegando trancas insuperáveis. Peteca, me juntava aos molequinhos menores pra ver se ganhava umas no queixo. Papagaio, era só vontade, já me dava por alegre e satisfeito em levar a uma certa distância, para os outros moleques, na delicada operação de botar no ar. Brincadeira de correr até ali, me faltava logo a suspiração; de jogar pedra, eu gostava mais do convite faceiro: “bura brincar de jogar pedra!”, e da frase de aceite: “Bura!”. De resto, era uma brincadeira que me enfadava. Bandeirinha, eu vivia colado. Cemitério, morto.
Ao ingressar na Escola Técnica, a gente tinha que escolher um esporte para praticar. Não tinha futebol, porque antes, mundo e meio dos alunos escolhia futebol, daí, tiraram da grade. Optei pelo vôlei, um esporte novo que meu professor, querido pacas, Serginho, fez que a gente se acostumasse a chamar de Volibol (era escrito assim, na nossa camiseta de Educação Física, abrasileiradíssimo). E olha que me dei até bem, com meus 15 decímetros de altura, esforçadíssimo ali na saída de rede (bem na saída, já quase do lado de fora).
Teimava, mas não tinha jeito. Meu negócio era o futebol. A minha rua era um celeiro de moleques bons de bola. Veio o Internacional da Mauriti. As conquistas. O reconhecimento: tinha garantido passagem de ônibus, chuteira, dois chopes de groselha ou qualquer um regional, depois dos jogos. Ganhando ou perdendo. Veio o assédio (estive com um pé no Paysandu e era paparicado pela turma do Tiradentes). Faltava aula, trabalho, deixava a gatinha esperando no muro da estância que ficava no escurinho da Marquês, por uma partida de salão no Ouro Negro ou na quadra do Alegria. Até hoje, sou apaixonado. Foi-não-foi, compro uma bola para minhas embaixadinhas no final da tarde (faço ainda 50 com os dois pés, sem cair no chão, na maior caté). Por vezes sou tomado por desejos incontroláveis. Quando passo na loja e vejo uma bola em exposição, ou quando me pego apreciando jogos da molecada na rua. Dá logo uma vontade. No caso da pelada, rola uma liga. Torço para que a bola saia de campo e venha bater em mim. E se acontece, não devolvo pro jogo sem fazer umas firulas. A petizada pira. “olha o tio, olha o tio...”.
Mas reina um banzo, nessa época de copa do mundo. Percebo a nítida apropriação desta paixão, pelo sistema. Rola a sutileza do pão e circo. Concretiza-se a versão de que o futebol é um ópio poderosíssimo. A mim me dói o coração, ver a manipulação da nossa cultura, da nossa história de moleque, e de muitos sonhos. Hoje mais ainda, quando a gente vê jogadores riquíssimos assumindo posturas e idéias esquisitas, virando as costas para a magia do futebol e mergulhando na soberba da fama fugaz.
Sou um apaixonado pelo futebol, mas sinceramente, hoje mais que a seleção, me interessa o Brasil Raimundo, rimas e soluções.

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