Brasil
Raimundo, rimas e soluções
Fui
um moleque de rua. Topava qualquer brincadeira, me metia em todos os jogos,
porfias e competições. Mas a única modalidade que eu me dava bem mesmo era no
futebol.
Teimava.
Fazia número nas outras. Fura-fura, eu só jogava o estilo neném e vivia pegando
trancas insuperáveis. Peteca, me juntava aos molequinhos menores pra ver se
ganhava umas no queixo. Papagaio, era só vontade, já me dava por alegre e
satisfeito em levar a uma certa distância, para os outros moleques, na delicada
operação de botar no ar. Brincadeira de correr até ali, me faltava logo a
suspiração; de jogar pedra, eu gostava mais do convite faceiro: “bura brincar
de jogar pedra!”, e da frase de aceite: “Bura!”. De resto, era uma brincadeira
que me enfadava. Bandeirinha, eu vivia colado. Cemitério, morto.
Ao
ingressar na Escola Técnica, a gente tinha que escolher um esporte para
praticar. Não tinha futebol, porque antes, mundo e meio dos alunos escolhia
futebol, daí, tiraram da grade. Optei pelo vôlei, um esporte novo que meu
professor, querido pacas, Serginho, fez que a gente se acostumasse a chamar de
Volibol (era escrito assim, na nossa camiseta de Educação Física,
abrasileiradíssimo). E olha que me dei até bem, com meus 15 decímetros de
altura, esforçadíssimo ali na saída de rede (bem na saída, já quase do lado de
fora).
Teimava,
mas não tinha jeito. Meu negócio era o futebol. A minha rua era um celeiro de
moleques bons de bola. Veio o Internacional da Mauriti. As conquistas. O
reconhecimento: tinha garantido passagem de ônibus, chuteira, dois chopes de
groselha ou qualquer um regional, depois dos jogos. Ganhando ou perdendo. Veio
o assédio (estive com um pé no Paysandu e era paparicado pela turma do
Tiradentes). Faltava aula, trabalho, deixava a gatinha esperando no muro da
estância que ficava no escurinho da Marquês, por uma partida de salão no Ouro
Negro ou na quadra do Alegria. Até hoje, sou apaixonado. Foi-não-foi, compro
uma bola para minhas embaixadinhas no final da tarde (faço ainda 50 com os dois
pés, sem cair no chão, na maior caté). Por vezes sou tomado por desejos
incontroláveis. Quando passo na loja e vejo uma bola em exposição, ou quando me
pego apreciando jogos da molecada na rua. Dá logo uma vontade. No caso da
pelada, rola uma liga. Torço para que a bola saia de campo e venha bater em
mim. E se acontece, não devolvo pro jogo sem fazer umas firulas. A petizada
pira. “olha o tio, olha o tio...”.
Mas
reina um banzo, nessa época de copa do mundo. Percebo a nítida apropriação
desta paixão, pelo sistema. Rola a sutileza do pão e circo. Concretiza-se a
versão de que o futebol é um ópio poderosíssimo. A mim me dói o coração, ver a
manipulação da nossa cultura, da nossa história de moleque, e de muitos sonhos.
Hoje mais ainda, quando a gente vê jogadores riquíssimos assumindo posturas e
idéias esquisitas, virando as costas para a magia do futebol e mergulhando na
soberba da fama fugaz.
Sou
um apaixonado pelo futebol, mas sinceramente, hoje mais que a seleção, me
interessa o Brasil Raimundo, rimas e soluções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário