Natal
de esquina
Tenho
lido uma produção paraense que vai ali no rumo das biografias e observo
coincidências, pontos de partida comuns. Tanto na área da política, como
percebi no livro de Ismael Machado, sobre a trajetória do deputado Paulo
Fonteles; quanto no campo das artes, como pude ver no relato de criação e
preservação do Grupo Gruta de Teatro, no contar detalhado de Adriano Barroso.
Há uma origem onde as duas histórias se entrelaçam. O embrião da idéia ou da conduta,
senão no todo, pelo menos em boa parte teve a genealogia forjada dentro da
igreja Católica.
Citei
correlações que encontrei em dois livros que li recentemente, mas prestando
atenção em tantas histórias que ouço, em casos vividos de pessoas próximas,
encontro lá atrás no tempo, nosso ancestral sócio-educativo comum. O teatro
realizado nos grupos de igreja.
Aconteceu
com minha turma na Escolsa Salesiana. Grupo de jovem é algo alucinante. Muita
energia, muita vontade. A moçada se mete em tudo. Comanda a missa. Faz torneio
de futebol, elabora tabelas, bate o escanteio e cabeceia. Tem o Círio, a galera
comanda uma procissão, uma novena. Tá na pira de grana, ajeita uma feijoada
para patrocinar os encontros de formação. Inventa festival de sorvete, de
música. Em tudo em quanto, o jovem empenha seu charme. Sem ser ator, faz
teatro.
O
caminho é o mesmo. Atravessa gerações. A minha geração veio depois de uma moçada
da pesada que sairia da Escola para formar o Grupo Hera da Terra, uns; e para
militar, de vera, na política, outros. Marcaram época. Começaram também no entusiasmo
do calendário religioso. Peças de Natal. De Páscoa. Quando cheguei na Escola,
ouvia histórias das conquistas deles. Até que ousaram. Traspassaram o senso e
os padrões pastorais. A ditadura andava por perto. O fazer teatral começou a
incomodar na linguagem, nas expressões corporais, nas roupas, nos arroubos e
espalhafatos. Deram tiau.
Na
minha vez, o passo atrás havia sido dado. Começamos tudo de novo. Recorremos ao
‘Natal de Esquina’, que era uma peça conforme, quietinha, escrita por um padre,
como salvo-conduto para sobrevivermos à entressafra de insubordinações. Mas foi
só o padre afrouxar o laço e encenamos um jogral “Pão, saúde, vida de gente”,
que tinha um andamento ainda juvenil, mas era só pra dizer. No fundo, tinha
pretensões. Bulia com o latifúndio, com os dramas urbanos. Era um feixe de
provocações. Na Páscoa, fizemos outro jogral, uma “Paixão” em que o nosso Jesus
seria crucificado de cabeça para baixo (a valência do ator que interpretava o
Cristo, é que esbarramos nas limitações da contrarregragem). Alguém que viu,
sinalizou: parece “Morte e Vida Severina”. Foi batata! No fim do ano, tiramos
de cena o “Natal de Esquina” e montamos o auto de João Cabral. Novidade e sucesso
total. Depois disso, novas idéias foram
surgindo. Textos mais modernos foram aparecendo, muitos com uma pitada de
concupiscência, atrevimentos, palavras do vulgo, essas coisas... Aí já viu. Os
olhos azuis do padre Lourenço faiscaram. Entendemos. Mesmo amando a Escola e o
Lourenço, fomos cantar em outra freguesia.
Cai
o pano.
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